4 de nov. de 2010

Carta aos redatores do Boletim da Federação do Jura (outubro, 1873)


CARTA AOS REDATORES DO BOLETIM DA FEDERAÇÃO DO JURA

INTRODUÇÃO

Depois de uma longa luta no seio da Associação Internacional dos Trabalhadores que culminou com sua expulsão, o grande revolucionário Mikhail Bakunin se retirou do movimento revolucionário europeu, que durante anos foi um de seus maiores expoentes, com o propósito de sistematizar suas idéias e seus planos. Neste ano seriam produzidos alguns de seus principais textos, além de inumeráveis cartas onde esboçava junto a jovens italianos, russos, eslavos, etc inumeráveis conspirações e planos insurrecionais.  


Esta atividade eminentemente teórica, no entanto, não era a preferência do revolucionário russo, a quem se sentia a vontade nas lutas entre as barricadas e a quem o trabalho literário não estimulava o suficiente.

O triunfo da reação alemã sobre a Europa, a derrota dos bakuninistas na Espanha e França, os árduos, porém longínquos combates que se lutou contra o csarismo russo, foram os principais fatores que desencadearam e aprofundaram as doenças contraídas por Bakunin na prisão:

“Me afastei dos negócios, decididamente e para sempre abandonei toda ação pessoal: nenhum nexo me liga e não importa que empresa prática que seja. Em primeiro lugar por que hoje se apresenta, para esse tipo de empresas, uma massa de obstáculos; o bismarkismo, quer dizer, o militarismo, a policia e o monopólio das finanças, todos eles combinados com um sistema que se chama o Estado moderno, triunfa em todas as partes. Ainda passarão dez ou quinze anos durante os quais essa potente e científica negação de tudo o que é humano triunfará em todos os lugares. Eu não digo que não há nada para fazer atualmente; mas este novo trabalho exige novo métodos e sobre tudo forças jovens e frescas. Eu sinto que já não sou bom para esse tipo de luta e me retiro.”[1] 
     
Cansado, em 12 de outubro de 1873, Bakunin se despede de seus companheiros de luta durante anos, dos trabalhadores membros da seção do Jura, trabalhadores estes que admiravam e respeitavam o revolucionário russo com a um mestre.

Esta carta é sem dúvida, a pesar de breve, uma das exposições mais apaixonadas e cheias de sentimento que elaborara Bakunin em sua vida. As palavras do revolucionário são o reflexo de seu cansaço, de sua fatiga pessoal, mas são também uma mostra de sua indomável fé na libertação humana.

A carta de despedida, de 12 de outubro de 1873, aos companheiros da seção do Jura será seu testamento político e um chamado aos revolucionário do mundo, que depois de 135 anos conserva plena vigência. 

Lutar pela liberdade e o socialismo, pela destruição revolucionária do Estado e do Capital para construir em seu lugar uma sociedade justa e igualitária de mulheres e homens livres pela qual lutou, combateu, e morreu o camarada Mikhail Bakunin tem também plena vigência. 

A Organização Popular Anarquista Revolucionaria milita ativamente retomando as bandeiras de luta elaboradas por Bakunin e milhares de companheiras e companheiros anarquistas revolucionários.

Por essa razão colocamos agora a disposição digital em nosso idioma o testamento político de Mikhail Bakunin, confiando que as palavras do camarada recairão nos jovens e generosos corações que saberão defender nosso ideal revolucionário como o fizera Bakunin, lutando sem descanso, intransigentemente pelo Socialismo e pela Liberdade. 
 
Organización Popular Anarquista Revolucionaria - México
Junho 2008

[1] Bakunin, Carta de 11 de novembro de 1874, a Ogarev desde Lugano. Citado por García V. tomo II das Obras. Pág.14.
  
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CARTA AOS REDATORES DO BOLETIM DA FEDERAÇÃO DO JURA*

Mikhail Bakunin
Caros companheiros,

Eu não posso nem devo deixar a vida pública sem vos endereçar uma última palavra de reconhecimento e de simpatia.

Faz quatro anos e meio aproximadamente que nós nos conhecemos, e apesar de todos os artifícios de nossos inimigos comuns e das calúnias infames que lançaram contra mim, conservastes vossa estima, vossa amizade e vossa confiança em mim. Vós não vos deixastes intimidar por esta denominação de “bakuninianos” que eles lançaram em vossos rostos, preferindo guardar a aparência de serem homens dependentes, do que a certeza de terdes sido injustos.

E, por sinal, sempre tivestes, e em alto grau, a consciência da independência e da perfeita espontaneidade de vossas opiniões, tendências, atos, e a pérfida intenção de nossos adversários era tão transparente, por outro lado, que não pudestes tratar suas insinuações caluniosas e ferinas de outra forma, se não com o mais profundo desprezo.

Vós o fizestes, e é precisamente porque tivestes a coragem e a constância de fazê-lo que acabastes de conquistar hoje, contra a intriga ambiciosa dos marxistas, e em proveito da liberdade do proletariado e de todo o futuro da Internacional, uma vitória tão completa.

Fortemente socorridos por vossos irmãos da Itália, da Espanha, da França da Bélgica, da Holanda, da Inglaterra e da América, fizestes retomar a grande Associação Internacional dos Trabalhadores ao caminho, do qual as tentativas ditatoriais do Sr. Marx fracassaram em desviá-la.

Os dois Congressos que acabam de se realizar em Genebra foram uma demonstração triunfante, decisiva, da justiça e, ao mesmo tempo também, da potência de vossa causa.

Vosso Congresso, o da liberdade, reuniu em seu seio os delegados das principais federações da Europa, menos a Alemanha; proclamou em voz alta e estabeleceu amplamente, ou melhor, confirmou a autonomia e a solidariedade fraterna dos trabalhadores de todos os países. O Congresso autoritário ou marxista, composto unicamente de alemães e de operários suíços, que parecem ter aceito a liberdade em desgosto, esforçou-se em vão para remendar a ditadura arrebentada, e de agora em diante ridicularizada, do Sr. Marx.

Após ter lançado muitas injúrias aqui e ali, para constatar sua maioria genebrense e alemã, eles chegaram a um produto híbrido que não é mais a autoridade integral, sonhada pelo Sr. Marx, mas que é ainda menos a liberdade, e se separaram profundamente desencorajados e descontentes com eles próprios e com os outros. Esse Congresso foi um enterro.

Assim, vossa vitória, a vitória da liberdade e da Internacional contra a intriga autoritária, está completa. Ontem, quando ela podia parecer ainda incerta, - ainda que, no que me concerne, jamais duvidei disso, - ontem, digo, não era permitido a ninguém abandonar suas fileiras. Mas, hoje, quando esta vitória se tomou um fato realizado, a liberdade de agir segundo suas conveniências pessoais voltou a cada um.

E aproveito esta oportunidade, caros companheiros, para vos pedir a gentileza de aceitar minha demissão como membro da Federação Jurássica e membro da Internacional. Possuo muitas razões para assim agir. Não creais que seja principalmente por causa dos desgostos pessoais dos quais eu estive saturado nesses últimos anos. Não digo que eu seja absolutamente insensível a eles; todavia, eu sentiria ainda bastante força para resistir, se eu pensasse que minha participação posterior no vosso trabalho, nas vossas lutas pudesse ter alguma utilidade ao triunfo da causa do proletariado. Mas não acredito nisso.

Por meu nascimento e por minha posição pessoal, e não por minhas simpatias e minhas tendências, nada mais sou do que um burguês e, como tal, não saberia fazer outra coisa entre vós senão propaganda teórica. Bem, tenho esta convicção de que o tempo dos grandes discursos teóricos, impressos ou falados, passou. Nos últimos nove anos desenvolveram-se no seio da Internacional mais idéias do que era preciso para salvar o mundo, se apenas as idéias pudessem salvá-lo, e desafio quem quer que seja a inventar uma nova.

O tempo não está mais para idéias, e sim para fatos e para atos. O que mais importa, hoje, é a organização das forças do proletariado. Mas esta organização deve ser a obra do próprio proletariado. Se eu fosse jovem, eu me transportaria para um meio operário, e, compartilhando a vida laboriosa de meus irmãos, participaria igualmente com eles do grande trabalho dessa organização necessária.

Mas minha idade e minha saúde não me permitem fazê-lo. Elas me pedem, ao contrário, a solidão e o repouso. Cada esforço, uma viagem a mais ou a menos, torna-se um caso muito sério para mim. Moralmente sinto-me ainda bastante forte, mas fisicamente canso-me rapidamente, não sinto mais as forças necessárias à luta. Eu não poderia ser, no campo do proletariado, mais do que um estorvo, não uma ajuda.

Como vedes, caros companheiros, tudo me obriga a pedir demissão. Vivendo longe de vós e longe de todo o mundo, que utilidade eu poderia ter para a Internacional em geral e para a Federação do Jura em particular? Vossa grande e bela Associação, de agora em diante totalmente militante e prática, não deve sofrer com sinecuras nem posições honorárias em seu seio.

Retiro-me, então, caros companheiros, pleno de reconhecimento por vós e de simpatia por vossa grande e santa causa, - a causa da humanidade. Acompanharei com uma ansiedade fraterna todos os vossos passos, e saudarei com alegria cada um de vossos novos triunfos.

Estarei convosco até a morte.

Mas antes de nos separar, permiti que eu vos dê um último conselho fraterno. Meus amigos, a reação internacional, cujo centro hoje não está nesta pobre França, burlescamente dedicada ao Sacré-Coeur, mas sim na Alemanha, em Berlim, e que é representada tanto pelo socialismo do Sr. Marx quanto pela diplomacia do Sr. Bismarck; esta reação que propõe como objetivo final a pangermanização da Europa, ameaça tudo engolir e tudo perverter nesse momento. Ela declarou uma guerra mortal à Internacional, representada hoje unicamente pelas Federações autônomas e livres. Como os proletários de todos os outros países, mesmo que fazendo parte de uma república ainda livre, sois forçados a combatê-la, pois ela se interpôs entre vós e vosso objetivo final, a emancipação do proletariado do mundo inteiro.

 A luta que tereis que sustentar será terrível. Mas não vos deixais desencorajar, e sabei que, apesar da imensa força material de vossos adversários, o triunfo final vos estará assegurado, se observardes fielmente estas duas condições:

1ª Mantende-vos firmes em vosso princípio da grande e ampla liberdade popular, sem a qual a igualdade e a solidariedade, elas próprias, nada mais seriam do que mentiras.

2ª Organizai cada vez mais a solidariedade internacional, prática, militante, dos trabalhadores de todas as profissões e de todos os países, e lembrai que, infinitamente fracos como indivíduos, como localidades ou como países isolados, encontrareis uma força imensa, irresistível, nesta universal coletividade.

Adeus. Vosso irmão,
Mikhail Bakunin

*12 de outubro de 1873.

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