8 de nov. de 2009

Estatutos Secretos da Aliança: Programa e Objetivo da Organização Revolucionária dos Irmãos Internacionais (1868)


Bakunin, Mikhail. Estatutos Secretos da Aliança: Programa e Objetivo da Organização Revolucionária dos Irmãos Internacionais (1868). CD-R Instituto Internacional de História Social de Amsterdã. Tradução de Frank Mintz do francês ao espanhol. Tradução do espanhol ao português por Aneleh. s/d

Não pode haver revolução nem política, nem nacional, a menos que a revolução política se transforme em revolução social, e a revolução nacional, precisamente por seu caráter radicalmente socialista e destrutivo do Estado, se converta na revolução universal.


Estatutos Secretos da Aliança: Programa e Objetivo da Organização Revolucionária dos Irmãos Internacionais (1868) 


Nota: Visivelmente este texto é um complemento do “Programa da Sociedade da Revolução Internacional” do mesmo ano. Pode-se ver que Bakunin propõe a forma federativa de comunas, três anos antes da Comuna de Paris.


Frank Mintz

* * *

1. Os princípios desta organização são os mesmos que os do programa da Aliança Internacional de Democracia Socialista. Estão expostos de modo ainda mais explícito, em relação às questões da mulher, da família religiosa e jurídica, e do Estado, no programa russo da democracia socialista.

O departamento central prevê dar logo mais um desenvolvimento teórico e prático mais completo.

2. A Associação dos Irmãos Internacionais quer a revolução universal, social, filosófica, econômica e política, para que a ordem atual das coisas, baseada na propriedade, na exploração, na dominação e o princípio da autoridade – religiosa, ou metafísica e de modo burguês doutrinário, até jacobinamente revolucionária –, não fique em toda Europa, e logo no resto do mundo, nenhuma pedra sobre a outra, grito de paz aos trabalhadores, liberdade a todos oprimidos, e morte aos dominadores, exploradores, e aos tutores de todo tipo. Queremos destruir todos os Estados e todas as igrejas, com todas suas instituições e leis religiosas, políticas, jurídicas, financeiras, policiais, universitárias, econômicas e sociais, para que todos esses milhões de seres humanos pobres, enganados, avassalados, angustiados, explorados, sejam libertados de todos seus diretores e benfeitores oficiais, para que os indivíduos respirem enfim uma completa liberdade.

3. Convencidos de que o mal individual e social aparecem menos nos indivíduos do que na organização das coisas e nas posições sociais, seremos humanos, tanto por sentimento de justiça como por cálculo de utilidade, e destruiremos sem piedade as posições e as coisas para poder, sem perigo algum para Revolução, perdoar os homens. Negamos o livre arbítrio e o suposto direito da sociedade castigar[1]. A mesma justiça, tomada no sentido mais humano, mais amplo, é unicamente, por assim dizer, negativa e de transição. Ela assinala a única via possível da emancipação humana, ou seja, a humanização da sociedade pela liberdade e na igualdade. A solução positiva só poderá ser dada pela organização cada vez mais racional da sociedade. Esta solução tão desejada, o nosso ideal, é a liberdade, a moralidade, a inteligência e o bem-estar de cada um pela solidariedade de todos: a humana fraternidade.

Todo indivíduo humano é o produto involuntário de um meio natural e social que nasceu, desenvolveu-se e do qual segue recebendo influência. As três grandes causas de toda imoralidade humana são: a desigualdade tanto em âmbito político como econômico e social; a ignorância que é o resultado natural, e sua conseqüência necessária: a escravidão[2].

Sendo sempre e por qualquer organização da sociedade a única causa dos crimes cometidos pelos homens, é uma hipocrisia e um absurdo evidente por parte da sociedade castigar os criminosos, posto que cada castigo sugerido à culpa e ao criminoso nunca são culpáveis. A teoria da culpabilidade e do castigo provém da teologia, é do casamento do absurdo com a hipocrisia religiosa.

O único direito que se pode reconhecer à sociedade em seu estado natural de transição, é o direito natural de assassinar os criminosos produzidos por ela mesma em sua própria defesa; e não é para julgar e nem condenar. Esse direito nem se quer é uma aceitação da sua palavra; será antes um eixo natural, entristecedor, porém inevitável, firmado e produzido pela impotência e estupidez da sociedade atual; e quanto mais tentar evitar que a sociedade use tal direito, mais próximo estará da sua emancipação real. Todos os revolucionários, os oprimidos, as sofridas vítimas da organização atual da sociedade, cujos corações estão supostamente cheios de vingança e ódio, devem ter em mente que os reis, os opressores, os exploradores de todo tipo são tão culpados como os criminosos procedentes da massa popular: são delinqüentes, porém não culpados, dado que são também como os criminosos ordinários, produtos involuntários da organização atual da sociedade. Não haverá do que estranhar-se se desde o primeiro momento o povo rebelado mate muitos deles. Será uma desgraça inevitável e quem sabe, tão fútil como os estragos causados por uma tempestade.

Porém, esse eixo natural não será nem moral, nem se quer útil. A este respeito, a história esta cheia de lições: a terrível guilhotina de 1793 que não se pode acusar nem de que foi perigosa nem lenta, não logrou destruir a classe nobiliária na França. A aristocracia não foi completamente destruída, porém profundamente sacudida, não pela guilhotina, senão pela confiscação e pela venda de seus bens. E em geral, pode-se dizer que as matanças políticas nunca mataram os partidos; resultaram sem efeito contra as classes privilegiadas, por erradicar o poder muito menos nos homens que nas posições dadas aos homens privilegiados pela organização das coisas, ou seja, a instituição do Estado, e sua conseqüência tanto como sua base natural, a propriedade individual.

Para fazer uma revolução radical, é necessário atacar as posições e as coisas, destruir a propriedade e o Estado. E então, não se necessitará destruir os homens, e condensar a reação infalível e inevitável que nunca deixou e nunca deixará de produzir em cada sociedade: o massacre dos homens.

Porém, para ter o direito de ser humano para com os homens, sem perigo para revolução, haverá que ser cruel com as posições e as coisas; haverá que destruir tudo, sobretudo e ante toda a propriedade e sua inevitável conseqüência, o Estado. Este é todo o segredo da revolução.

Não há que se assustar se os jacobinos e os blanquistas que se converteram em socialistas antes por necessidade que por convicção, e para quem o socialismo é um meio e não o objetivo da Revolução, posto que querem a ditadura, ou seja a centralização do Estado e que o Estado os levará por uma necessidade lógica e inevitável à reconstituição de um Estado revolucionário poderosamente centralizado tenderá como resultado inevitável, como o provaremos mais tarde, à ditadura militar para um novo amo. Por conseqüência, o triunfo dos jacobinos e dos blanquistas será a morte da Revolução.

4. Somos os inimigos naturais dos revolucionários, futuros ditadores, regulamentadores e tutores da revolução, que inclusive antes de que estejam destruídos os Estados monárquicos, aristocráticos, e burgueses atuais, já têm o sonho da criação de Estados revolucionários novos, tão centralizadores e mais despóticos que os Estados que existem hoje em dia. Dizem que os revolucionários têm um grande costume de ordem criada por alguma autoridade que venha de cima e grande horror aos que lhe parecem desordens, que não são senão a franca e natural expressão da vida popular, que ainda antes de que seja produzido pela revolução uma boa e saudável desordem, já estão sonhando com o fim e o amordaçamento com a ação de alguma autoridade que de revolução só terá o nome, porém o efeito não será nada mais que uma nova reação dado que será já uma nova condição das massas populares, governadas por decretos, a obediência, a imobilidade, a morte, ou seja a escravidão e a exploração por uma nova aristocracia quase revolucionária.

5. Compreendemos a revolução no sentido do desencadeamento do que se chama hoje em dia das más paixões, e da destruição do que com o mesmo estilo se chama “o órgão público”.

Não tememos, pois invocamos a anarquia, convencidos que desta anarquia, ou seja, a manifestação completa da vida popular desencadeada, deve sair a liberdade, a igualdade, a justiça, a nova ordem, e a força mesma da Revolução contra a Reação. Esta vida nova – a revolução popular – não tardará sem dúvida alguma em se organizar, porém criará sua organização revolucionária de baixo pra cima e da circunferência até o centro, de acordo com o princípio da liberdade, e não de cima para baixo, nem do centro para a circunferência, de acordo com modelo de qualquer autoridade. Pouco nos importa que esta autoridade se chame Igreja, Monarquia, Estado constitucional, República burguesa, ou inclusive ditadura revolucionária. As detestamos e rechaçamos por igual, por ser fontes infalíveis de exploração e despotismo.

6. A revolução, tal como a entendemos, deverá desde o primeiro dia, destruir radical e completamente o Estado e todas as instituições do Estado. As conseqüências naturais e necessárias destas destruições serão:

a) A derrota do Estado;

b) O pagamento das dívidas privadas pela intervenção do Estado, deixando a cada devedor o direito de pagar as suas, se o desejar;

c) O pagamento de todos os tipos de impostos e da dedução de todas as contribuições, seja ela direta ou indireta;

d) A dissolução do exército, da magistratura, da burocracia, da polícia e das prisões;

e) A abolição da justiça oficial, a suspensão do quanto juridicamente se denominava direito, e do exercício desses direitos. Portanto, abolição e queima de todos os títulos de propriedade, atos de herança, venda, doação, todos os processos, em uma palavra, de todo o papel jurídico e civil. Por todas as partes e em tudo, o eixo revolucionário em lugar do direito criado e organizado pelo Estado;

f) A confiscação de todos os capitais produtivos e instrumento de trabalho a favor das associações de trabalhadores, que deverão fazê-las produzir coletivamente;

g) A confiscação de todas as propriedades da Igreja e do Estado assim como os metais preciosos dos indivíduos para a aliança federativa de todas as associações operárias, Aliança que constituirá a Comuna.

Em compensação pelos bens confiscados, a Comuna dará o suporte necessário a todos os indivíduos, que poderão mais tarde pelo seu próprio trabalho ganhar mais se puder e se quiser;

h) Para a organização da Comuna, a Federação das barricadas em permanência e a função de um Conselho da Comuna revolucionária pela delegação de um ou dois responsáveis por cada barricada, um pela rua ou bairro, responsáveis investidos de mandatos imperativos, sempre responsáveis e sempre revocáveis. Assim organizado o Conselho Comunal, poderá eleger seus comitês executivos, separados para cada ramo da administração revolucionária da Comuna.

i) Declaração da capital rebelada e organizada em Comuna depois de ter destruído o Estado autoritário e tutelar, o qual tinha o direito de fazer pelo seu escravo, como todas as outras localidades, renunciar ao seu direito, ou antes a qualquer pretensão de governar, de se impor às províncias.

k) Chamado a todas províncias, comunas, e associações, deixando-as todas seguir o exemplo dado pela capital de reorganizar-se revolucionariamente primeiro, e delegar logo, em um ponto de reunião, seus responsáveis, todos também, investidos de mandatos imperativos, responsáveis e revocáveis, para constituir a Federação das associações, comunas, e províncias rebeladas em nome dos mesmos princípios, e para organizar uma força revolucionária capaz de triunfar da reação. Envio não de mandatários revolucionários oficiais com todo tipo de medalhas, senão propagandistas revolucionários a todas as províncias e comunas, sobre tudo entre os camponeses que não poderão ser revolucionados nem pelos princípios, nem pelos decretos de alguma ditadura, senão unicamente pelo mesmo eixo revolucionário, ou seja, as conseqüências que produzirá a infalivelmente em todas as comunas o fim total da vida jurídica, oficial do Estado. Abolição do Estado nacional outra vez no sentido de que todo país estrangeiro, província, comuna, associação ou inclusive indivíduo isolado, que se havia levantado em nome dos mesmos princípios, serão recebidos na federação revolucionária sem preocupação pelas fronteiras atuais dos Estados e ainda que pertençam a sistemas políticos ou nacionais diferentes, e as próprias províncias, comunas, associações, indivíduos que tomem o partido da Reação estarão excluídos. É, portanto, pelo mesmo eixo da propagação e organização da revolução para a defesa mútua dos países rebelados como triunfará a universidade da revolução fundada na abolição das fronteiras e na ruína dos Estados.

7. Não pode haver revolução nem política, nem nacional, a menos que a revolução política se transforme em revolução social, e a revolução nacional, precisamente por seu caráter radicalmente socialista e destrutivo do Estado, se converta na revolução universal.

8. Dado que a revolução deverá fazer por todas as partes pelo povo, e posto que a suprema direção tem que ficar sempre no povo organizado em federação livre de associações agrícolas e industriais, o Estado revolucionário e novo, organizando-se de baixo pra cima pela via da delegação revolucionária e abrangendo a todos os países rebelados em nome dos mesmos princípios sem preocupação pelas velhas fronteiras e as diferentes nacionalidades, tenderá por objeto a administração dos serviços públicos e não o governo dos povos. Constituirá a nova pátria, a aliança de todas as reações.

9. Esta organização exclui qualquer idéia de ditadura e poder dirigente tutelar. Porém para a mesma realização desta aliança revolucionária e para o triunfo da revolução contra a reação, é necessário que em meio da anarquia popular que constituirá a vida mesma e toda a energia da revolução, a unidade de pensamento e da ação revolucionária forme um órgão. Esse órgão deve ser a associação secreta e universal dos Irmãos Internacionais.

10. Esta associação parte da convicção que as revoluções nunca as fazem, nem os indivíduos, nem se quer as sociedades secretas. Produzem-se por si mesmas, pela força das coisas, pelo movimento dos eventos e eixos. Se vão preparando durante muito tempo na profundidade da consciência instintiva das massas populares, logo explodem, suscitadas em aparências a geralmente por causas fúteis. Tudo o que pode fazer uma sociedade secreta bem organizada, é primeiro facilitar o nascimento de uma revolução, propagando entre as massas idéias que correspondam aos instintos das massas e organizar, no exército da revolução – o exército sempre deve ser o povo –, senão uma sorte de plano maior revolucionário composto de indivíduos entregues, energéticos, inteligentes, e, sobretudo amigos sinceros, nem ambiciosos, nem vaidosos, do povo, capazes de servir de intermédio entre a idéia revolucionária e os instintos populares.

11. O número desses indivíduos não deve, pois, ser imenso. Para a organização internacional em toda Europa, bastam cem revolucionários fortemente e seriamente aliados. Duas, três centenas de revolucionários bastarão para a organização de um país maior.

Mikhail Bakunin, 1868.


Notas de Frank Mintz

1) No Programa da Sociedade da Revolução Internacional de 1868, se lê “II. Negação do livre arbítrio e do direito da sociedade castigar.”

2) No Programa da Sociedade da Revolução Internacional de 1868, se lê: “as quatro maiores causas de toda imoralidade humana são: 1) a ausência de higiene e educação racionais; 2) a desigualdade de condições econômicas e sociais; 3) a ignorância das massas, que resultam naturalmente dele, e 4) sua necessária conseqüência, a escravidão. A educação, a instrução e a sociedade de acordo, a liberdade e a justiça devem substituir o castigo.”

Observa-se que Bakunin deixou no tinteiro o primeiro ponto que poucas vezes impediu as revoltas populares.

 Outono de 1868, original em francês.

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