27 de jun. de 2010

Guerra de Classes (1870)

Excetuando-se Proudhon e o Sr. Louis Blanc quase todos os historiadores da revolução de 1848 e do golpe de Estado de Dezembro, 1851, assim como os maiores escritores do radicalismo burguês, os Victor Hugos, os Quinots, etc. comentaram muito sobre o crime e os criminosos de Dezembro; mas eles nunca se dignaram a mencionar o crime e os criminosos de Junho. Ainda sendo muito evidente que Dezembro não foi nada além da fatal consequência de Junho e sua repetição em larga escala.


Por que este silêncio sobre Junho? É porque os criminosos de Junho são republicanos burgueses de quem os escritores citados acima são, moralmente, mais ou menos cúmplices? Cúmplices em seus princípios e, portanto, indiretamente cúmplices em seus atos. Esta razão é provável, mas há ainda outra com a qual esta se relaciona. O crime de Junho golpeou apenas trabalhadores, socialistas revolucionários, consequentemente estranhos à classe e inimigos naturais do princípio que todos estes honoráveis escritores representam. O crime de Dezembro atacou e deportou milhares de republicanos burgueses, os irmãos sociais destes honoráveis escritores e seus correligionários políticos. Paralelamente, eles mesmos foram vitimados. Daí sua extrema sensibilidade ao crime de Dezembro, e sua indiferença àquele de Junho.

Uma regra geral: Um burguês, por mais vermelho e republicano que seja, ficará muito mais intensamente afetado, tocado e indignado por uma desgraça referente a um outro burguês, mesmo que este burguês seja um louco imperialista, do que pelo infortúnio de um trabalhador, de um homem do povo. Há indubitavelmente uma grande injustiça nesta diferença, mas a injustiça não é premeditada. Ela é instintiva. Ela surge a partir das condições e hábitos de vida que exercem uma muito maior influência sobre os homens que suas idéias e convicções políticas. Condições e hábitos, sua maneira especial de existir, desenvolver-se, pensar e agir; todos os seus variados relacionamentos sociais, tão regularmente convergentes para o mesmo fim; toda esta diversidade de interesses expressando uma ambição social comum e constituindo a vida do mundo burguês, estabelece entre os que pertencem a este mundo uma solidariedade infinitamente mais real, profunda e inquestionavelmente mais sincera que qualquer uma que possa surgir entre uma seção qualquer da burguesia e os trabalhadores. Nenhuma diferença de opiniões políticas é suficiente para superar a comunidade burguesa de interesses. Nenhum aparente acordo de opiniões políticas é suficiente para superar o antagonismo de interesses que divide a burguesia e os trabalhadores. Comunidade de convicções e idéias são e devem ser subsidiárias de uma comunidade de interesses e predisposições de classe.

A vida domina o pensamento e determina a vontade. Esta é uma verdade que nunca se deve perder de vista quando queremos compreender qualquer fenômeno político e social. Se nós desejamos estabelecer uma sincera e completa comunidade de pensamento e vontade entre os homens, nós devemos fundá-la sobre condições similares de vida, ou, sobre uma comunidade de interesses. E, como há, pelas suas respectivas condições de existência, um abismo entre o mundo burguês e o mundo dos trabalhadores, o primeiro sendo o mundo explorador, e o outro, o mundo dos vitimizados e explorados, eu concluo que se um homem nascido e criado no ambiente burguês deseja se tornar sincera e profundamente o amigo e irmão dos trabalhadores, ele deve renunciar a todas as condições de sua existência passada e suprimir todos os seus hábitos burgueses. Ele deve romper suas relações de sentimento com o mundo burguês, sua vaidade e ambição. Ele deve virar as costas a este mundo e tornar-se seu inimigo; proclamar-lhe guerra irreconciliável; e lançar-se de corpo e alma no mundo e na causa dos trabalhadores.

Se a sua paixão pela justiça é insuficiente para inspirá-lo a tal resolução e audácia, não deve enganar a si mesmo e não deve enganar os trabalhadores. Ele não pode nunca se tornar seu amigo e em qualquer crise deve provar ser seu inimigo. Seus pensamentos abstratos, seus sonhos de justiça o influenciarão facilmente nas horas de reflexão calma, quando nada se move no mundo dos explorados. Mas basta que o momento da luta venha, quando a paz armada dá lugar ao conflito irreconciliável, seus interesses o compelirão a servir no campo dos exploradores. Isto aconteceu com os nossos falsos amigos no passado, e acontecerá novamente a muitos bons republicanos e socialistas que não perderam seus vínculos com o mundo burguês.

Ódios sociais são como ódios religiosos. Eles são intensos e profundos. Eles não são superficiais como os ódios políticos. Este fato explica a indulgência demonstrada pelos democratas burgueses com relação aos Bonapartistas. Ele explica também sua severidade excessiva contra os revolucionários socialistas. Eles (democratas burgueses) detestam os primeiros muito menos que os últimos devido a pressão dos interesses econômicos. Conseqüentemente eles se uniram com os Bonapartistas para formar uma reação comum contra as massas oprimidas.

MIKHAIL BAKUNIN, 1870

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