Carta
de Mikhail Bakunin a Serguey Guennadevich Nechayev, 2 de Junho de
1870, Locarno.
Traduzido
do espanhol para português por: Antonio.
Retirado
do sítio: www.miguelbakunin.worpress.com (Tradução de Frank Mintz)
Estimado companheiro: dirijo-me agora a você e, através de você,
ao seu e ao nosso Comitê. Espero que se você está agora em um
lugar seguro, livre das pequenas moléstias e inquietações, possa
reconsiderar tranquilamente a sua situação e a nossa em geral,
nossa causa comum.
Comecemos reconhecendo que nossa primeira campanha, iniciada em 1869,
se perdeu, estamos derrotados. Esmagados por duas razões principais:
a primeira, o povo não se levantou em cuja revolta confiávamos com
todo o direito. Vemos que não se esgotou o limite de seus
sofrimentos e o limite de sua paciência. Vemos que sua confiança em
si mesmo, em seu direito e em sua força, ainda não estava avançada
e não se encontrou um número suficiente de pessoas capazes por toda
a Rússia para atuar junto e despertar essa confiança. A segunda
razão, nossa organização, pela qualidade e pela quantidade de seus
membros e do mesmo modo de sua formação, resultou insuficiente. Por
isso fomos derrotados, perdemos muitas forças e pessoas valiosas.
Este é um fato inquestionável e devemos reconhecer-lo totalmente,
sem retroceder em nenhum momento, para que seja um ponto de partida
de nossas próximas reflexões, empresas e ações.
Você estava consciente disso, assim como seus amigos, sem nenhuma
dúvida antes, muito antes de me contar. Pode-se dizer que nunca me
falaram disso. Tive que adivinhar pelas contradições, numerosas e
evidentes, de suas declarações e por fim convencer-me, pela estado
geral da situação, pois estava muito claro que não havia modo
[...] de ocultar-lo nem sequer aos companheiros mais desinformados.
Você estava convencido disso más que a medias quando veio a
minha casa em Locarno. Mas você me falou com completa certeza e do
modo mais afirmativo da iminência da necessária sublevação. Você
me enganou, e eu, suspeitando ou pressentindo instintivamente a
mentira, me negava consciente e sistematicamente a acreditar. Você
continuou falando e atuando como se me dissesse a pura verdade. Se me
houvesse mostrado, durante sua estadia em Locarno, a situação tal
como era em relação ao povo e a organização, sem dúvida haveria
redigido minha convocação aos oficiais no mesmo sentido e com o
mesmo espírito, porém, com outras palavras. E haveria sido melhor
para mim, para você e sobre tudo para a situação. Eu não lhes
haveria falado de um movimento eminente.
Não me aborreço com você e não lhe faço reprovação por saber
que quando você está mentindo, ocultando ou silenciando a verdade,
você o faz fora de interesses pessoais, faz simplesmente por que
acredita ser útil a causa. Todos nós e eu lhe queremos com afeto e
lhe respeitamos profundamente precisamente por que nunca encontramos
um homem tão desapegado de si mesmo como você e tão entregue a
causa.
Mas nem esse afeto, nem esse respeito, poderiam impedir-me de lhe
dizer francamente que seu sistema de mentiras, que tende cada vez
mais a ser sua principal, seu único sistema, sua arma e meio
principal, é mortal para a mesma causa.
Não obstante, antes de tentar demonstrar-lhe, e espero conseguir,
falarei sobre a minha atitude para com você e seu Comitê. Buscarei
explicar por que, a pesar dos pressentimentos e as dúvidas racionais
e instintivas, que me avisavam cada vez mais contra a verdade das
suas palavras, ainda não acreditava neles. Até minha última viajem
a Genebra, eu falava e atuava como se confiasse totalmente em você.
Se pode dizer que estou 30 anos distante da Rússia, entre meus 40 e
51 anos estava no estrangeiro, a princípio com um passaporte, logo
como emigrante. Aos 51 anos, depois de dois anos prisioneiro nas
fortalezas de Saxônia e Áustria, fui entregue ao governo russo, que
durante ainda 6 anos me manteve, a princípio na fortaleza Pedro e
Paulo, no Revelim Alexis, logo em Shliselburgo. Aos 57 anos, fui
mandado a Sibéria, passei dois anos no oeste e dois no leste. Aos 61
anos eu fugi da Sibéria. Desde então, por suposto, não voltei a
Rússia. Assim, durante 30 anos, vivi 4 anos (há 9), dos 57 aos 61,
livre na Rússia, ou seja, na Sibéria. Isso, naturalmente, me deu a
possibilidade de conhecer de perto o povo russo, seus camponeses,
seus burgueses, seus comerciantes, especialmente na Sibéria, porém,
não a sua juventude revolucionária. Na minha época não havia
outros exilados políticos na Sibéria senão alguns poucos
dekabristas e polacos. Conheci, no entanto, é verdade, um grupo de
quatro Petrashevistas, Petrashvski, Lvov e Tol, mas essas pessoas
representavam um tipo de transição entre os dekabristas e a
juventude atual. Eram socialistas doutrinários, livrescos,
fourieristas e pedagogos. Os jovens reais, nos quais eu acredito,
desclasados, desapegados, [...] este grupo da revolução
popular, de que falei várias vezes em meus escritos, não os conheço
e só agora começo pouco a pouco a relacionar-me com eles.
A maior parte dos russos que vinham saudar Herzen em Londres eram
pessoas bem situadas e homens acadêmicos ou oficiais liberalizantes
ou democratizantes. O primeiro revolucionário russo sério foi
Potebnia, o segundo, você. Não vou falar de Utin nem dos outros
emigrados de Genebra. Assim, até nosso encontro, a verdadeira
juventude revolucionária russa era para mim “terra incógnita”
[assim está no original em russo].
Bastou-me pouco tempo para compreender sua seriedade, para confiar em
você. Me convenci e até agora sigo convencido que ainda que vocês
não sejam muito numerosos, representam uma ação séria, a única
ação revolucionária séria na Rússia. E feita minha convicção,
disse a mim mesmo que minha obrigação era ajudar-lhes com toda
minha energia e meus meios, associando-me como pudesse ao movimento
russo. Esta decisão foi mais fácil de tomar já que o seu programa,
pelo menos no ano passado, não só parecia, mas era inclusive
idêntico ao meu, elaborado constantemente [...] sobre a base da
experiência de uma já larga vida política. Definamos em alguns
traços este programa sobre a base na qual eu e você nos aliamos
profundamente o ano passado e do qual você se afasta, ao que parece,
sensivelmente, mas que, por minha parte, continuo fiel [...] ao ponto
que se seus sentimentos atuais e seu afastamento – ou o de seus
amigos – deste programa forem definitivos, me veria obrigado a
romper todas as relações políticas e íntimas com você.
Este programa pode se formular claramente em algumas palavras:
liquidação total do mundo estatal e jurídico e da chamada
civilização burguesa por uma revolução popular espontânea,
invisivelmente dirigida, de nenhuma maneira por uma ditadura oficial,
senão pela ditadura anônima e coletiva dos amigos da emancipação
completa do povo de qualquer jugo, solidamente aliados em uma
associação secreta e atuando sempre e por todas as partes com um
único objetivo e um programa único.
Tal é a idéia e tal é o plano sobre a base do qual me aliei a
vocês. Para realizar-lo, lhes estendi a mão. Vocês sabem como me
mantive fiel a minha promessa de aliança. Vocês sabem como confiei
em vocês desde que me convenci de sua seriedade e da identidade de
nossos programas revolucionários. Não lhe perguntei quem são seus
amigos, nem quantos são, nem verifiquei suas forças. Acreditei sob
palavra.
O fiz por debilidade, por cegueira, ou por burrice? Vocês mesmos
sabem que não. Vocês sabem muito bem que nunca houve em mim
confiança cega e que já no ano passado durante conversas sozinho
com você, e outra vez na casa de Ogarev e em sua presença, lhe
falei claramente que não éramos forçados a acreditar em você,
porque para você não há problema em mentir quando lhe parece que a
mentira pode ser útil a causa. Portanto, não temos outra garantia
de veracidade de suas palavras senão sua induvidável seriedade e
total entrega a causa. Que seja importante esta garantia, não o
salva, no entanto, dos erros e resvalos se nos entregássemos a você
com os olhos fechados.
Mas apesar dessa convicção, que lhe expressei várias vezes,
permaneci, contudo, com você e em todas as partes lhe ajudei o
quanto podia. Deseja saber por que o fiz? Primeiro, porque até sua
saída de Genebra para Rússia nossos programas era no fundo os
mesmos. Disso eu pude me convencer não apenas com nossas conversas
diárias, senão pelo fato que todos os meus escritos concebidos e
publicados em sua presença, suscitavam em você uma grande simpatia
pelos pontos que melhor e mais claramente traduziam nosso programa
comum, e também porque seus escritos editados o ano passado levavam
um caráter idêntico.
Segundo, porque reconhecia em você a energia real e incansável, a
dedicação, a paixão [...] e a reflexão, acreditei e acredito
capaz de reunir ao redor de você, não para você senão para a
causa, verdadeiras forças. E eu dizia a mim mesmo e dizia a Ogarev,
que se não estavam ainda reunidas, seguramente o seriam rapidamente.
Terceiro, porque de todos os russos que conheço, você me pareceu o
mais apto para levar a cabo esta empresa. Disse a mim mesmo e a
Ogarev que não devíamos esperar a chegada de outra pessoa, que
ambos éramos maiores, que era pouco provável encontrar alguém como
você, mais dedicado, mais capaz. Se, portanto, desejávamos
estabelecer vínculos com a causa russa, tínhamos que associar-nos
com você e não com outros. Não conhecemos seu Comitê nem sua
associação e unicamente podemos julgar por você. Se você é
sério, por que não seriam seus amigos, presentes e futuros? Sua
induvidável seriedade, era para mim uma garantia que, por uma parte,
você não iria admitir pessoas inúteis e, por outra, que vocês não
ficariam sozinhos e que se esforçariam para constituir uma força
coletiva.
Existe, é verdade, em você um ponto débil que me assombrou desde
os primeiros dias de nosso encontro, mas ao que, o confesso, não lhe
dei a devida atenção: é sua inexperiência, sua falta de
conhecimento das pessoas e da vida, ao qual está ligado a um
fanatismo, não distante ao misticismo. A ignorância das condições
sociais, dos costumes, características, idéias e sentimentos
ordinários do chamado mundo culto, o faz ainda hoje incapaz de
trabalhar com êxito nesse meio, inclusive para destruir-lo. Você
até hoje desconhece as métodos que permitem adquirir influência e
força, o que o condena a erros fatais cada vez que para as
necessidades da causa entra em contato com pessoas ilustradas. Viu-se
claramente com sua infeliz tentativa de publicar Kolokol em condições
impossíveis. Mas falaremos mais diante de Kolokol. O desconhecimento
das pessoas lhe acarreta necessariamente erros. Você exige muito
delas e ao mesmo tempo espera muito delas, encarregando-lhes tarefas
acima de suas forças, na medida em que todas as pessoas devem estar
animadas da mesma paixão que você. Além disso, você absolutamente
não confia nas pessoas e por isso não leva em conta a paixão que
se vai despertando nelas, a orientação que se vai criando, assim
como a honradez de suas aspirações para os mesmos fins que você. E
você tenta sujeitar-la, aterrorizar-la, atar-la com um controle
exterior e amiúde insuficiente, para que uma vez caída em suas mãos
não possa escapar jamais. E não obstante as pessoas fogem e fugirão
constantemente enquanto você não mude seu sistema de comportamento
com elas, enquanto não se esforce para que elas encontrem
principalmente a razão da aliança com você. Lembre-se de quando se
aborreceu quando o chamei de “abrek” [1], e seu catecismo, um
catecismo de “abrek”. Você disse que em todos os indivíduos
deveria estar a renuncia total a si mesmo e a todos os desejos
pessoais, satisfações, sentimentos, afetos e relações, como
estado normal, natural e constante de todos os indivíduos sem
exceção. Sua dureza para consigo mesmo, seu autêntico e grande
fanatismo, você quer que seja, desde agora uma regra de vida para
toda a comunidade. Você aponta a fatos absurdos, impossíveis, a
negação completa da natureza dos homem e da sociedade. Esta busca é
nefasta, porque lhe empurra a gastar suas forças de modo banal, e os
tiros saem pela culatra. Ninguém, por maior força que tenha, e
nenhuma associação, por mais perfeita que seja a sua disciplina e
poderosa sua organização, não conseguirá nunca vencer a natureza.
Somente os fanáticos religiosos e os ascetas podem tentar vencer-la.
Por isso estranhei muitíssimo de encontrar em você uma espécie de
idealismo místico e panteísta. Dadas suas inclinações, isso me
pareceu perfeitamente claro, ainda que perfeitamente absurdo. Se,
querido amigo, você não é um materialista como nós os pecadores,
senão um idealista, um profeta, um monge da Revolução, seu herói
não pode ser nem Babeuf nem sequer Marat, senão Savonarola. Por sua
forma de espírito você se aproxima mais a [ilegível...], aos
jesuítas que a nós. Você é um fanático. Daí sua enorme força
de caráter e junto a ela, sua cegueira, e a cegueira é uma
debilidade grande e mortal. A energia cega divaga e tropeça; e
quanto mais terrível é esta energia, mais irreparáveis e
significativos os erros. Falta muito em você o espírito crítico, e
com essa carência [...] é impossível uma apreciação correta dos
indivíduos, das situações, dos meios adequados às metas.
Tudo isso compreendi e já dizia a mim o ano passado. Porém, duas
considerações equilibravam a totalidade a seu favor. Primeiro,
reconhecia e reconheço em você uma força considerável e, se pode
dizer, sumamente pura, sem nenhuma mescla de vaidade, uma força como
não encontrei nenhuma igual em outros russos. Segundo, dizia e ainda
o digo, que você ainda é jovem, com tanta renuncia preciosa ao
personalismo, aos caprichos vaidosos e ilusões, que não poderia por
muito tempo seguir uma via mentirosa e enganosa, funesta para a
própria causa. Esta é ainda hoje minha convicção.
Por fim, via e sentia que você estava longe de me dar completa
confiança e que em muitos aspectos me tratava como um instrumento
para fins imediatos e desconhecidos por mim. Mas não me inquietava
totalmente.
Primeiro, eu gostava do seu mutismo sobre quem participava em sua
organização, dada minha convicção de que nesse tipo de assunto,
inclusive as pessoas mais próximas só devem saber o que é na
prática imprescindível para o êxito de sua tarefa. E você vai
reconhecer esta verdade, de que eu nunca lhe fiz perguntas
indiscretas. Inclusive se você tivesse citado nomes, em oposição
ao seu dever, isso não me ajudaria em nada, por não conhecer as
pessoas que você lidera. Tive que julgar-lhe por sua palavra, e
acreditei e acredito em você. Um comitê composto de pessoas como
você e merecendo toda sua confiança, merece por nossa parte não
menos que uma confiança integral.
Coloca-se uma questão: existiu realmente sua organização, ou você
tentou unicamente lançar-la? E se existiu, era numerosa e
representava ao menos um embrião de uma força, ou só era uma mera
esperança? Existiu inclusive o próprio Comitê, seu santo dos
santos, com a forma indicada e com esta profunda coesão que você
vincula à vida e à morte, ou você somente se dispôs a formar-lo?
Em uma palavra, representava você uma força isolada, muito honrável
por certo, porém individual, ou uma força coletiva real e
existente? E [...] se a associação e o Comitê dirigente existiram
de verdade – supondo que, especialmente o Comitê, estivesse
compostos exclusivamente de homens dedicados, firmes, tão
fanaticamente entregues e desapegados de si mesmos como você, me
ocorre uma outra pergunta: Possuíam e possuem bastante espírito
prático e conhecimentos, bastante preparação teórica e aptidão
para conhecer as condições e relações dentro da vida do povo e as
classes na Rússia, para que o Comitê revolucionário não seja de
maneira nenhuma insignificante, senão autêntico, e para que abarque
toda a vida russa e penetre em todas as camadas sociais da Rússia,
como realmente uma organização poderosa? Da ardente energia dos
participantes depende a franqueza da ação; do espírito prático e
dos conhecimentos deles, seu êxito.
Para eu ter uma idéia tanta da realidade como das possibilidades e
do espírito da empresa de vocês, eu não parava de lhe fazer
perguntas, e confesso que suas respostas não me pareceram
absolutamente satisfatórias. Como não se esquivava nem me enrolava,
você, contra a sua vontade, expressou o seguinte: sua associação,
dada sua filiação, era muito insignificante, e por seus meios
materiais, era ainda mais. Falta-lha ainda espírito prático,
conhecimentos e destreza. Mas o Comitê, integrado por você, é sem
nenhuma dúvida composto de homens como você, e entre eles você é
um dos melhores, um dos mais firmes. Você é o fundador e até agora
o dirigente da associação. Tudo isso, estimado amigo, eu entendi e
soube já no ano passado. Isso não me impediu de nenhum modo a
aliar-me com você, porque reconheci em você [...] um militante
inteligente e dedicado com paixão, como há poucos, e porque eu
estava convencido que você havia conseguido descobrir pelo menos
alguns homens do seu temperamento e agrupar-los. Eu estive convencido
e sigo sendo até o momento, que pela via da experiência e com
esforços incansáveis e ardentes, você iria adquirir rapidamente os
conhecimentos, a razão a destreza, sem os quais o êxito é
impossível. E como fora do seu círculo eu não supunha e não
suponho que possa existir na Rússia outro tão sério como você,
apesar de tudo, decidi ficar unido com você.
Não me incomodava de nenhuma maneira ver-lhe sem cessar exagerar
frente a mim suas forças: é uma postura objetiva e muitas vezes
positiva, e outro valor de todos os conspiradores. Mas é verdade que
notei na sua tentativa de me enganar a prova de sua compreensão
ainda insuficiente do povo. Me pareceu que com todas nossas
conversas, você deveria ter compreendido que para me entusiasmar não
necessitava dar-me provas de uma força já existente e organizada,
senão apenas a prova de sua inquebrantável e inteligente vontade de
criar tal força. Entendi também que possuía frente a mim alguém
como um representante e de alguma maneira um embaixador de uma
organização já existente e bastante forte. Ao portar-se dessa
maneira, você se colocou na posição de me apresentar suas
condições da parte de uma poderosa organização, e não apenas
como um indivíduo que juntava forças. Você deveria ter falado
comigo de igual para igual, de pessoa para pessoa, e expor-me [...]
seu programa [...] e sua ação.
Isso não entrava em seus cálculos. Você ficava demasiado
fanaticamente apegado ao seu programa e seu plano para submeter-los a
qualquer crítica. E segundo, você não confiava bastante em minha
dedicação pela causa e em minha compreensão para mostrar-me sua
empresa sob sua verdadeira luz. Você teve uma atitude ascética para
com toda a emigração e teve razão. Você o foi talvez um pouco
menos comigo, porque te dei diversas provas de minha vontade de
servir a causa sem nenhuma pretensão pessoal nem cálculos. Você me
tomava, no entanto, por um incapacitado cujos conselhos e
conhecimentos podem as vezes ser útil, porém [...] cuja
participação em sua ardente empresa seria inútil e até
prejudicial. Eu vi isso muito bem, porém não me ofendi
absolutamente. Você mesmo sabia [...] isso e não podia induzir-me a
separar-me de você. Eu não tinha que demonstrar-lhe que não sou
absolutamente uma pessoa acabada e incapaz de tomar parte em uma ação
ardente e séria como lhe parecia. Deixava e deixo ao tempo e a sua
própria experiência que lhe convençam do contrário.
Existia e há até hoje uma circunstancia particular que me obrigava
e me obriga ainda a mostrar-me muito cauteloso frente a todos os
assuntos e as pessoas da Rússia. É a minha total falta de dinheiro.
Toda minha vida lutei com a pobreza e cada vez que pude empreender e
fazer algo útil, o fiz não com meus recursos senão com recursos
alheios. Isso me custou desde a muito tempo, sobre tudo da parte da
canalha russa, uma montão de calúnias e ataques.
Esses senhores contaminaram profundamente minha fama e com isso
paralisaram sensivelmente minha atividade. Acudi a toda a verdadeira
paixão e a sincera vontade que me animam (digo sem vaidade, senão
por experiência) para não quebrar-me e seguir atuando. Você também
[...] sabe que o quão mentirosos e odiosos são os rumores que
correm sobre meu luxo pessoal e minha inclinação a fazer dinheiro
as custos dos demais, a enganar-los. Particularmente as canalhas da
emigração russa, os Utin e Cia., se atrevem a tratar-me de
trapaceiro e explorador interesseiro, eu que, desde que tenho
memória, nunca vivi por minha satisfação pessoal e que sempre me
esforcei para emancipar aos demais. Não tome isso por vanglória,
digo isso a você e a seus amigos, já que, sinto o direito e a
necessidade de dizer-lhe de uma vez por todas.
É evidente que para dedicar-me por inteiro a serviço da causa, devo
ter os meios de existência necessários. Estou envelhecendo; oito
anos [...] de detenção provocaram uma enfermidade crônica [...]
daí determinados cuidados, certas condições para servir utilmente
a causa. Além disso, tenho uma mulher e filhos que não posso
condenar a morrer de fome. Esforcei-me para reduzir meus gastos ao
mínimo, mas apesar disso não podia viver sem receber cada mês uma
certa quantia. Aonde tomar-la, se dou todo meu labor a causa comum?
Há ainda outras razões; por haver fundado a alguns anos a Aliança
Internacional Revolucionária Secreta, não posso nem quero
abandonar-la para dedicar-me unicamente a causa russa. Pelo menos, em
meu pensamento, a causa russa e a causa internacional são apenas
uma. Até agora esta não me deu meios de subsistência, só me
custou dinheiro. Tal é em poucas palavras a chave da minha situação.
Você compreende que esta pobreza, por uma parte, e as calúnias
rasteiras propagadas por emigrantes russos da outra, me paralisam em
relação as pessoas novas e a todas as causas. Você vê quantos
motivos tinha para não querer me impor, não pedir-lhe mais
confiança além daquela que lhe parecia oportuno outorgar-me.
[ilegível] esperar a você e seus amigos se convencerem de que era
possível, útil e necessário confiar em mim.
Além disso, eu via e entendia muito bem que, ao não tratar-me de
igual para igual, como uma pessoa de confiança, de acordo com o seu
sistema e acatando, como se viu, sua necessidade lógica, você me
considerava como um objeto de experimentação, ao 80% cego, para a
causa, usando como ferramenta minha pessoa, minha militância e meu
nome. De modo que, não dispondo na realidade da força que me
falava, estava usando meu nome para organizar-la na Rússia, até o
ponto que muito acreditam que estou na cabeça de uma associação
secreta de que, como você sabe, desconheço absolutamente tudo.
Teria eu que permitir que se sirvam de meu nome como meio de
propaganda e recrutamento para uma organização com um plano de ação
e objetivos imediatos da qual ¾ das partes me desconhecidas? Sem
vacilar respondo categoricamente: sim, podia e devia fazer-lhe. Aqui
estão minhas razões:
Primeiro, sempre estive convencido de que o Comitê Revolucionário
Russo deve e somente ele pode ter sua atividade na Rússia, e querer
dirigir a revolução russa desde o exterior é um absurdo.
Se você e seus amigos tivessem que ficar muito tempo no exterior,
lhe explicaria que você já não é membro do Comitê. Se vocês
fossem emigrantes, deveriam, como eu mesmo fiz, submeter-se, quanto
ao que concerne as atividades russas, a direção absoluta de um novo
Comitê na mesma Rússia, reconhecido por vocês sobre a base de um
programa e um plano discutido juntos. Vocês formariam um Comitê
russo no estrangeiro com plena autonomia para administrar todas as
atividades, a gente e os círculos russos fora da Rússia, em plena
conformidade de pontos de vistas com o Comitê [de lá], e com
autonomia e independência que corresponde para a eleição dos modos
e meios de ação, e sobre tudo de acordo com a Aliança
Internacional. Nesse caso, eu teria o dever e o direito de exigir que
eu integrasse em plano de igualdade este Comitê russo no
estrangeiro. É o que por outra parte havia pedido em minha última
carta que dirigi ao Comitê e a você, reconhecendo que este deve
estar na Rússia. Por suposto, eu não tive nem a possibilidade nem a
intenção de regressar a Rússia, e tampouco tenho a pretensão de
entrar no Comitê que ai está. Através de você tive conhecimento
do programa e dos objetivos da atividade desse Comitê. Como eu
estava inteiramente de acordo com vocês, lhe comuniquei estar
disposto e com a firme resolução de ajudar ao Comitê e servir-lo
por todos os meios a minha disposição. Posto que meu nome lhe
parecia útil para atrair novos aderentes a sua organização, lhe
autorizei para usar-lo. Eu sabia que isso ia pela causa (nosso
programa comum e o seu caráter eram minha garantia) e não temi
ver-me exposto, em caso de erros ou fracassos, às críticas
públicas, porque estou acostumado as injúrias.
Porém, lembre-se de que já no verão passado convencionamos entre
nós dois que você me comunicaria todas as empresas, atividades e
[contatos com] russos no estrangeiro e que tudo o que se faça ou
tente fazer ai, não se faria sem que eu soubesse e sem minha
aprovação. Era uma condição necessária. Primeiro, porque conheço
o estrangeiro muito melhor que qualquer um de vocês; e segundo,
porque uma solidariedade cega e independente de você para as suas
ações e publicações no estrangeiro poderiam colocar-me em uma
situação contrária aos meus deveres e aos meus direitos como
membro da Aliança Internacional. Esta condição, como vamos ver,
não foi cumprida pela sua parte e, por não aplicar-se
integralmente, eu estaria na obrigação de romper todas as relações
políticas e pessoais com você.
Antes de tudo, meu sistema difere do seu aonde não admite nem o
interesse, nem sequer a possibilidade, de uma outra revolução a não
ser a revolução espontânea, ou seja, popular e social. Qualquer
outra revolução, esta é minha profunda convicção, seria
desonesta, nociva e mortal para a liberdade e o povo, porque lhe
asseguraria uma miséria nova e uma nova servidão. E o essencial é
que qualquer toda revolução resulta desde agora impossível, fora
do alcance e irrealizável. A centralização e a civilização, as
ferrovias, o telégrafo, os novos armamentos e a nova organização
do exército, em fim, a ciência administrativa, quer dizer, a
ciência da submissão e da exploração sistemática das massas, a
ciência da domesticação de todo tipo de sublevações populares,
está tão cuidadosamente elaborada, verificada pela experiência e
aperfeiçoada no decurso dos últimos setenta e cinco anos de
história contemporânea, acrescentando o fato de que o Estado e seu
armamento representa atualmente uma força tão enorme, que todas as
tentativas artificiais, os complôs secretos fora do povo, os ataques
e os assaltos de surpresa viriam a despedaçar-se frente a esta
força, que somente poderá ser vencida e destruída pela revolução
espontânea, popular e social.
Assim, o único objetivo da associação secreta deve ser não o de
constituir uma força artificial fora do povo, senão despertar,
agrupar e organizar as forças populares espontâneas. Nestas
condições, o exército da revolução, o único capaz e real, não
está fora do povo, é o próprio povo. Não se lhe despertará
através de meios artificiais. As revoluções populares são
engendradas pela própria força das coisas ou por essa corrente
histórica que, invisível e subterrânea, incessante e a maior parte
do tempo lenta, corre por entre as camadas populares, abarcando-as
cada vez mais, penetrando gota a gota, até que se escape desde
abaixo para fora sua selvagem corrente, até que rompa todos os
obstáculos que encontrar no seu caminho.
Tal revolução é impossível artificialmente. Nem sequer se pode
adiantar significativamente, ainda que eu não duvide que uma
organização dirigida devidamente e inteligentemente possa facilitar
sua explosão. Há períodos na história em que as revoluções são
totalmente impossíveis; existem outros em que elas são inevitáveis.
Em qual desses tipos de períodos estamos na atualidade? A meu ver, e
é minha profunda convicção, em um período de revolução popular
generalizada e inevitável. Não tratarei aqui de provar a justeza
desta opinião, me levaria muito longe. Tampouco é necessário, dado
que me dirijo a alguém e a pessoas que, estou seguro disso, a
compartilham por inteiro. Digo então que por qualquer lugar em toda
a Europa, a revolução social e popular é inevitável. Explodirá
em breve, mas onde se acenderá primeiro: na Rússia, na França ou
em outro país do Ocidente? Ninguém pode prever. Talvez estoure
dentro de um ano, talvez mais cedo, ou nem sequer antes de dez ou
vinte anos. Esta não é a questão, e aqueles que quiserem servir
lealmente a revolução não o farão por mero prazer. Todas as
associações secretas que querem de verdade trabalhar por ela devem
primeiro abandonar todo nervosismo, toda impaciência. Não devem
adormecer, pelo contrário, devem manter-se dispostas dentro do
possível em qualquer momento, estar, portanto, em alerta e sempre
capazes de agarrar toda ocasião favorável. Mas ao mesmo tempo temos
a necessidade de formar-las e organizar-las não para um levantamento
próximo, senão para o trabalho clandestino paciente e de larga
duração, como seus amigos, os padres jesuítas.
Limitarei minhas reflexões a Rússia. Quando então vai estourar a
revolução russa? Ignoramos. Muitos, e o pecador de mim dentre
outros, esperavam a sublevação do povo em 1870; mas o povo não se
despertou. Deve-se deduzir disso que o povo russo poderia prescindir
da revolução, evitar-la? Não, tal dedução não é possível,
seria absurda. Quem conhece a situação sem saída e de fato crítica
de nosso povo, por uma parte, no plano econômico e político e, por
outra, a incapacidade decidida de nosso Governo e do Estado, não
apenas de modificar, senão de suavizar um pouco a situação
(incapacidade que procede não de tal ou qual característica
específica de nossos governantes, senão da própria índole de
nosso sistema estatal em particular e de cada estado em geral), deve
inevitavelmente chegar a conclusão que a revolução popular russa é
inevitável. O é em negativo e em positivo, porque em nosso povo,
apesar de sua ignorância, forjou-se com a história um ideal que ele
se esforça, conscientemente ou não, por cumprir. Aquele ideal é a
posse comunitária da terra com uma emancipação completa de
qualquer opressão estatal e serviçal. A isso apontava o povo na
época dos falsos Dmitri, de Stenka Razin e Pugachev; a isso tende
ainda hoje as revoltas incessantes, mas dispersas e sempre
reprimidas.
Só assinalei dois traços principais do ideal popular russo, sem
pretender definir-lo por inteiro com algumas palavras. Contudo, por
acaso é pouco o que está vivendo o povo russo em suas aspirações
intelectuais e o que virá com a primeira revolução? Isso me basta
agora para demonstrar que nosso povo não é uma folha em branco em
que qualquer associação secreta pode escrever o que ela bem
entender, o programa comunista de você por exemplo. O povo elaborou,
em parte consciente e quase tudo inconscientemente, seu próprio
programa, que cada associação secreta deve conhecer, adivinhar, e
ao qual terá que conformar-se se quiser vencer.
É um fato sem nenhuma dúvida e conhecido por todos nós que na
época de Stanka Razin e de Pugachev, cada vez que um levantamento
popular se produzia, ao menos durante certo tempo, nosso povo fazia
uma única coisa: tomava posse de toda a terra para colocar-la em
comum, mandando para os diabos os nobres, os grandes latifundiários,
os funcionários do Tsar e algumas vezes até mesmo os sacerdotes, e
organizava sua comuna livre. Isso significa que nosso povo guarda em
sua memória e em seu ideal um valioso elemento para a organização
futura, elemento que não existe ainda entre os povos ocidentais: a
comuna econômica livre. Na vida e no pensamento popular existem dois
fatores, dois fatos em que podemos nos apoiar: as freqüentes
rebeliões e a comuna econômica livre. Mas existe um terceiro fator,
um terceiro fato: é o povo cossaco ou o mundo dos bandoleiros e
ladrões, que reúne em si mesmo um protesto contra a opressão do
Estado e a do patriarcado comunitário, que se conecta com os dois
primeiros.
As freqüentes revoltas, ainda que sempre provocadas por
circunstancias fortuitas, provêem não obstante de causas gerais e
traduzem o profundo descontentamento geral do povo inteiro. São de
certo modo um fenômeno corrente e natural da vida popular russa. Não
existe no campo russo um povo que não esteja profundamente
descontente com sua situação, que não padeça de escassez, de
asfixia, de deseja de mudança e não oculte no fundo de sua alma
coletiva o desejo de apoderar-se de toda a terra senhorial, logo a
dos kulaks, com o sentimento de que está sem nenhuma dúvida em seu
direito. Não há aldeia que, tendo possibilidade, não vá ao
levantamento. Se o campo não levanta tão rápido, é unicamente
pelo medo, por imaginar-se indefeso. Este sentimento provém da
desunião das comunas, a ausência de solidariedade real entre elas.
Se em cada aldeia se soubesse que no momento que se levantar todos os
outros povos farão o mesmo, pode-se dizer certamente que não
haveria um só povo na Rússia que não se subleve. Daí se retira o
primeiro dever, a orientação e o objetivo da organização secreta:
despertar em todas as comunas rurais o sentimento de sua segura e
inevitável solidariedade, e assim despertar no povo russo o
sentimento de seu poder; em uma palavra, unir as diversas revoltas
camponesas em um levantamento popular.
Um dos meios importantes de alcançar esse objetivo, de acordo a
minha profunda convicção, é e deve ser valer-se de nossos cossacos
livres, a multidão de nossos vagabundos (os santos e os outros), os
peregrinos e os benguny [2], os ladrões e os bandoleiros, todo esse
amplo e clandestino mundo, que desde sempre está protestando contra
o Estado e o estatismo e contra a civilização knutogermânica. Isso
já foi exposta em um volante anônimo: “A questão revolucionária
e o modo de aplicar-la” provocando um grito de indignação em
todas as pessoas de bem e charlatães vaidosos que tomam sua
verborragia doutrinária e bizantina por ação. Mas tudo isso é
absolutamente verdadeiro e está confirmado por toda nossa história.
O mundo dos cossacos, ladrões, bandoleiros e vagabundos, desempenhou
precisamente o papel de vínculo para unir as freqüentes revoltas
das comunas isoladas; e no tempo de Stenka Razin e Pugachev, os
vagabundos foram os melhores e os mais fiéis intermediários da
revolução popular, preparadores da agitação popular, precursores
do levante do povo inteiro; Quem ignora que os vagabundos, ao
apresentar-se a ocasião, se convertem facilmente em ladrões e
bandoleiros? E quem, entre nós, não é bandoleiro ou ladrão? Por
acaso o Governo não é? Nossos especuladores e negociantes estatais
e privados? Nossos latifundiários e comerciantes? Por minha parte,
não suporto, não admito nem o bandoleirismo, nem o roubo, nem
qualquer violência contra as pessoas. Mas reconheço que se tenho
que escolher entre o bandoleirismo e o roubo desde o trono, o que
utiliza de todos os privilégios, e entre o roubo e o bandoleirismo
do povo, sem a menor vacilação tomo o partido deste último, o vejo
natural, necessário e até em certo sentido legítimo. O
bandoleirismo popular, eu reconheço, desde o ponto de vista da
verdade humana, deixa muitíssimo de ser belo. Mas o que é belo na
Rússia? Pode haver algo mais sujo que o mundo das pessoas de bem,
funcionários, pequenos burgueses cultos e elegantes, ocultando sob
seus brilhos ocidentais a mais terrível perversão de pensamento,
sentimentos, ações! Ou, no melhor dos casos, um vazio triste e sem
saída. Na perversão do povo, ao contrário, existe a natureza, a
força, a vida, existe no final o direito, dados os sacrifícios
durante muitos séculos de história. Existe um poderoso protesto
contra a base principal de toda perversão, contra o Estado, por isso
é uma possibilidade de porvir. Por isso tomo partido dos bandoleiros
populares e vejo neles uma das principais alavancas da futura
revolução popular na Rússia.
Entendo que isto pode indignar os nossos puros ou não puros
idealistas, idealistas de qualquer coloração, de Utin a Lopatin,
que imaginam poderem através da violência, por uma organização
secreta artificial, impor ao povo seu próprio pensamento, sua
vontade e seu modo de atuar. Não acredito nessa possibilidade, estou
convencido, pelo contrário, que com a primeira grande derrota do
Estado de toda a Rússia, sejam quais forem as causas, o povo se
levantará não pelo ideal de Utin e Lopatin, nem sequer o de vocês,
senão pelo seu próprio, e nenhuma força estará em condição de
parar e modificar seu movimento natural, porque não existe dique
capaz de conter o oceano furioso. Vocês todos, meus queridos amigos,
estarão varridos como gravetos se não souberem nadar no sentido do
povo. Creio que com o primeiro grande impulso do levantamento do
povo, o mundo dos vagabundos, bandidos e ladrões, profundamente
arraigado em nossa vida popular e um de seus principais fenômenos,
se colocará em marcha poderosa e massivamente.
Bom ou mal, é um fato indiscutível e inevitável, e quem deseja
realmente a revolução popular russa, que quer servir-la,
sustentar-la, organizar-la, não apenas no papel, senão nos atos,
deve conhecer este fato. Deve ter isso em conta, sem tratar de se
esquivar, ter uma atitude consciente e prática, usando-lo como um
meio poderoso para o triunfo da revolução. Aí não se pode ser
puro. Quem quiser preservar sua pureza ideal e virginal, que fique em
seu gabinete, que sonhe, pense, escreva suas reflexões e versos. Mas
quem quer ser um autêntico militante revolucionário na Rússia, que
tire seus luvas, porque não existem luvas que possam proteger-lhe da
incalculável sociedade russa generalizada. O mundo russo, estatal e
privilegiado ou popular, é um mundo horrível. A revolução russa
será sem lugar a dúvidas uma revolução horrível. Quem teme os
horrores ou a lama que se distancie deste mundo e dessa revolução;
mas quem deseja servir-la, sabendo o que irá acontecer, que
fortaleça seus nervos e esteja disposto a tudo.
Valer-se do mundo dos bandidos como instrumento da revolução
popular, como meio de vínculo entre as sublevações de massas
isoladas, é uma tarefa difícil. Admito que é necessária, mas ao
mesmo tempo sei que sou totalmente incapaz de dedicar-me a ela. Para
empreender-la e levar-la a cabo, é preciso ter nervos sólidos, uma
força colossal, convicções apaixonadas e uma vontade de ferro.
Tais homens podem fazer picadinho de vocês. Mas as pessoas de nossa
geração e com nossa educação é incapaz de fazer isso. Ir entre
os bandoleiros não significa tornar-se a si mesmo um bandoleiro e
apenas um bandoleiro. Isto não significa compartir suas paixões,
suas misérias, suas motivações por sinal detestáveis, seus
sentimentos e seus atos. Isto significa dar-lhes uma alma nova e
despertar neles a necessidade de um objetivo diferente, de um
objetivo popular. Estas pessoas selvagens e brutas até a crueldade
possuem uma natureza fresca, forte, intacta e em plena vitalidade, e
conseqüentemente aberta a uma propaganda vivaz, naturalmente sempre
que uma propaganda vivaz e não doutrinária se atreva e possa
aproximar-se deles. Estou disposto a falar-lhe mais sobre esse tema
caso prossiga esta correspondência com você.
Outro elemento valioso da vida popular futura na Rússia, como lhe
dizia, é a comuna econômica livre. Efetivamente é um elemento
muito valioso e que não existe no Ocidente. A revolução social no
Ocidente deverá criar esse embrião indispensável e fundamental da
organização futura, e esta tarefa custará ao Ocidente muitos
esforços. Entre nós já está feita, quando estourar a revolução
na Rússia, e quando o Estado – com todos seus empregados – se
desmoronar, o campo russo se organizará sem qualquer problema, por
si só, no ato. Na Rússia, por outro lado, existe uma dificuldade
que não existe no Ocidente. Nossas comunas são terrivelmente
desunidas; quase não se conhecem e se opõe freqüentemente como
inimigas segundo o velho habito russo. Ultimamente, por causa das
medidas financeiras do Governo, as comunas começam a acostumar-se a
união no plano comarcal, de modo que a comarca está adquirindo um
significado e uma consagração popular, mas não vai mais longe.
Cada comarca não sabe e não quer saber nada da comarca vizinha. Mas
para preparar a vitória da revolução, para organizar a futura
liberdade do povo, é necessário que as comarcas, por seu próprio
movimento popular, se unam em distritos, os distritos em regiões, e
que as regiões formem entre elas uma Federação Russa Livre.
Despertar em nossas comunidades rurais a consciência desta
necessidade por sua própria liberdade e por seu bem, é igualmente a
tarefa da organização secreta, porque ninguém além dela irá
querer empreender este dever, à que se opõem diretamente os
interesses do Governo e de todas as classes privilegiadas. De que
modo atuar, o que fazer e como proceder para despertar nas comunas
essa consciência, a única de que se pode dizer que é de verdade
saudável? Não é o lugar para aprofundar o tema.
Tal é, estimado amigo, em suas grandes linhas todo o programa da
revolução popular russa, profundamente enraizada no instinto
histórico e na condição de nosso povo. Quem deseja colocar-se na
cabeça do movimento popular deve aceitar este programa por inteiro e
ser deu realizador. Aqueles que querem impor ao povo seu próprio
programa se colocam do lado dos tontos.
O mesmo povo, nós já vimos, por sua ignorância e desunião, não
está em condição de formular este programa, sistematizar-lo e
unir-se em seu nome. O povo necessita então de ajudantes. Aonde
recrutar-lhes? Em todas as revoluções este problema é o mais
difícil. Até agora, em todo o Ocidente, os auxiliares da revolução
procediam das classes privilegiadas e quase sempre se convertiam em
seus beneficiários.neste âmbito também a Rússia tem mais sorte
que o Ocidente. Existe dentro do país uma massa enorme de pessoas
instruída e capaz de pensar, a que ao mesmo tempo lhe falta
totalmente uma situação, carreira e saída: as três quartas partes
ao menos de nossa juventude universitária se encontra precisamente
nessa situação. Os seminaristas, os filhos de camponeses e
burgueses, os filhos de pequenos funcionários e nobres arruinados,
mas para que falar-lhe disso: você conhece esse mundo melhor do que
eu. Tomando o povo como exército revolucionário e a estes últimos
como nosso estado-maior, constitui-se o valioso material da
organização secreta.
Mas, esse mundo, é preciso organizar-lo e moralizar-lo. Você, por
causa do seu sistema, o está pervertendo e preparando por dentro a
traidores e exploradores do povo. Recorde que em todo esse mundo há
muito pouco sentido moral, exceto um escasso número de naturezas
férreas e de grande moral, formadas segundo a teoria darwinista em
meio de uma opressão imunda e uma miséria inaudita. Os virtuosos,
ou seja, aqueles que amam o povo, tomam partido pela justiça contra
a injustiça e por todos os oprimidos contra todos os opressores, o
são unicamente por causa de sua própria situação e não por
consciência nem vontade. Eleja nesse mundo cem pessoas
aleatoriamente e coloque-as em uma situação que lhes permita
explorar e oprimir o povo: pode-se afirmar sem lugar a dúvidas que
lhe exploraram e oprimiram com plena tranqüilidade. Há, portanto,
nas pessoas, pouca virtude espontânea. Aproveitando a miserável
situação que a faz virtuosa inconscientemente, é preciso
despertar, educar e fortalecer nas pessoas essa virtude involuntária,
para que se torne apaixonada e consciente por meio de uma propaganda
constante e pela organização. Mas você faz exatamente o contrário:
ao copiar o sistema jesuítico, você apaga sistematicamente nas
pessoas todo sentimento humano e todo sentido pessoal da justiça
(como se o sentimento humano e o sentido da justiça pudessem ser
impessoais!), você cultiva nelas a mentira, a desconfiança, a
espionagem e a delação, e você conta muito mais com as pressões
exteriores, mediante as quais você enreda, que com a valentia
interior das pessoas. De modo que bastará que modifiquem as
circunstancias para que as pessoas percebam que os temores do Governo
são mais terríveis que o que você lhes infunde, e para que se
convertam, graças a suas lições, em excelentes servidores e
espiões das Autoridades. Em decorrência disso, estimado amigo,
agora, seguramente a maior parte de seus companheiros caídos nas
mãos da polícia, sem grande esforço por parte do Governo e sem
tortura, delataram tudo e todos. Esse fato penoso, se você souber se
corrigir, deveria abrir-lhe os olhos e obrigar-lhe a mudar sua
atuação.
Como moralizar esse mundo? Despertando nele franca e conscientemente,
excitando em seu espírito e em seu coração a única e absorvente
paixão da emancipação do povo inteiro e da humanidade. Esta é a
religião nova e única, cuja força move a alma e cria um impulso
coletivo salvador. Tal deverá ser mais a frente o único conteúdo
de nossa propaganda. Seu objetivo imediato: articular a organização
secreta, uma organização que deverá por sua vez constituir uma
força popular auxiliar e ser uma escola prática para a educação
moral de todos os seus membros.
Definamos frente a tudo o objetivo, o sentido, a finalidade desta
organização. Em meu sistema, como já o apontei várias vezes, esta
não deve ser o exército revolucionário. Para nós, só existe um
exército revolucionário: o povo. A organização não deve ser nada
mais que o estado- maior desse exército, não a organizadora de sua
própria força senão a do povo, como intermediário entre o
instinto popular e o pensamento revolucionário. E este pensamento só
é revolucionário, vivaz, real e autêntico, quando expressa,
enquanto da forma aos instintos populares moldados pela história.
Tentar impor às massas o pensamento da organização, banal ou
alheio a seus instintos, significa querer subordiná-las a um novo
Estado. Por isso uma organização que deseje sincera e unicamente
libertar a vida do povo deve adotar um programa que seja a expressão
integral das aspirações populares. Me parece que o programa exposto
no primeiro número de Narodnoe Dielo [Ação popular] corresponde
totalmente a este objetivo. Não impõe ao povo novas
regulamentações, ordens ou modos de vida, pelo contrário, liberta
sua vontade abrindo amplos horizontes a sua autodeterminação e a
sua organização econômica e social, que deve criar por si mesmo,
de baixo para cima e não de cima para baixo. A organização deve
francamente penetrar-se da idéia que é a servidora, a auxiliar do
povo e não sua dona, em nenhum caso, nem sob nenhum pretexto, nem
sequer o do bem popular.
Uma tarefa enorme corresponde a organização: não só preparar o
triunfo da revolução popular pela propaganda e a união das forças
populares; não só destruir na totalidade, com o poder desta
revolução, toda ordem econômica, social e política existente;
senão que, além disso, depois de viver o triunfo da revolução, no
dia seguinte da vitória popular, deve impossibilitar o
estabelecimento de todo poder estatal sobre o povo, até mesmo um
poder que seria em aparência o mais revolucionário, incluindo o
seu. Todo poder, independente do nome que se coloque, inevitavelmente
imporá ao povo sua antiga servidão sob uma nova forma. Nossa
organização deverá, portanto, ser bastante forte e viável para
superar a primeira vitória do povo, o que não é nada fácil, e
deverá estar profundamente penetrada de seus princípios para que
não possa esperar que inclusive em plena revolução não modifique
nem seu pensamento, nem seu caráter, nem sua orientação. O que a
de ser esta orientação? Quais serão o objetivo principal e a
tarefa da organização? Ajudar o povo a decidir ele mesmo sobre a
base da igualdade absoluta, uma liberdade humana completa e
universal, sem a menor intromissão de qualquer poder, até mesmo o
provincial ou de transição, quer dizer, sem intermediários de
qualquer sistema estatal.
Somos os inimigos declarados de todo poder oficial, inclusive se é
um poder ultra-revolucionário, de toda ditadura reconhecida
publicamente. Somos anarquistas, socialistas revolucionários. Mas se
somos anarquistas, perguntará você, com que direito queremos atuar
sobre o povo e com que meios o faremos? Rechaçando todo poder. Com
que autoridade, com que força vamos administrar a revolução
popular? Mediante uma força invisível que não terá nenhum caráter
público e que não se imporá a ninguém; mediante a ditadura
coletiva de nossa organização que será tanto mais poderosa quanto
ficar invisível, não declarada e privada de todo direito e sentido.
Imagine-se em pleno triunfo de uma revolução espontânea na Rússia.
O Estado e com ele toda ordem social e política foram aniquiladas. O
povo inteiro se levantou, tornando-se dono de tudo o que necessita e
expulsando a todos seus inimigos. Não há lei nem poder. O oceano da
rebelião rompeu todos os diques. Toda esta massa, que longe de ser
homogênea é, pelo contrário, sumamente diversificada, está
cobrindo a imensa extensão do império russo, começou a viver e
atuar por si mesma, a partir da realidade, e não de algo que se lhe
impunha por fora, e o faz por todos os lugares e a sua maneira: é a
anarquia geral. A sujeira removida, amontoada em grande quantidade no
seio do povo, retorna à superfície. Em determinadas partes surge
uma multidão de homens novos, audazes, inteligentes, sem escrúpulos
e ambiciosos que buscam, por suposto, cada um a da sua maneira,
ganhar a confiança do povo para si e usar-la em proveito próprio.
Essas pessoas lutam e se destroem uns aos outros. É como uma
anarquia espantosa e sem saída.
Mas imagine, em meio desta anarquia popular, uma organização
secreta que dispersa seus membros em grupos pequenos por toda a
superfície do império, mas estão firmemente unidos, animados por
uma mesma idéia e um mesmo objetivo, aplicados por todas as partes,
de acordo obviamente com as circunstancias, e segundo um mesmo plano.
Estes grupos, que ninguém conhece como tais, não possuem nenhum
poder reconhecido oficialmente. Mas com a força de seu pensamento,
que expressa a própria natureza dos instintos, desejos e
necessidades populares; com a clara consciência de seu objetivo em
meio a uma multidão que luta sem objetivo nem plano; com a força da
inteligência e da energia dos membros que constituem esses grupos e
conseguem unir em torno de si homens mais ou menos apegados a mesma
idéia e naturalmente submetidos a sua influencia, tais grupos, que
não buscam nada para eles próprios, nem proveitos, nem honras, nem
autoridade, estarão capacitados para dirigir o movimento popular
contra todos os ambiciosos, desunidos e opostos uns aos outros, e
encaminhar-los para a realização tão integral como seja possível
do ideal social e econômico, e para a organização da liberdade
popular mais completa. É o que chamo a ditadura coletiva da
organização secreta.
Esta ditadura não conhece nem ganância, nem vaidade, nem ambição,
porque é impessoal, invisível e porque não fornece a ninguém
daqueles que compõem os grupos, tampouco aos próprios grupos, nem
proveitos, nem honras, nem reconhecimento oficial de um poder
qualquer. Não ameaça a liberdade do povo dado que, por carecer de
qualquer caráter oficial, não se apresenta como um poder estatal
sobre o povo, senão que sua única meta, definida por seu programa,
é conseguir a realização mais completa das liberdades populares.
Tal ditadura não é absolutamente contrária ao livre
desenvolvimento e a autodeterminação do povo, nem a sua organização
desde baixo até acima de acordo a seus usos e instintos, tendo em
vista que trabalha exclusivamente pela única influencia natural e
pessoal de seus membros, que estão desprovidos de todo poder e
dispersos por meio de sua rede invisível, em todas as regiões,
distritos e municípios. Eles se esforçam, de comum acordo e cada um
em seu povoado, para orientar o movimento revolucionário espontâneo
do povo segundo um plano determinado de antemão e bem definido. Este
plano que organiza a liberdade popular deve ser, primeiro, preparado
com bastante solidez e claridade em seus princípios e objetivos
essenciais com o fim de descartar qualquer possibilidade de desacordo
e choques por parte dos membros da organização que o apliquem. E
segundo, deve ser amplo e natural o bastante para abarcar e aplicar
as inevitáveis mudanças procedentes de circunstancias diversas e
movimentos heterogêneos da diversidade da vida popular.
Assim, toda a questão é como organizar, com os elementos
disponíveis e conhecidos, tal ditadura coletiva secreta e tal força
que poderia desde agora fazer uma ampla propaganda popular, uma
propaganda que penetre realmente dentro das massas; pela força desta
propaganda, e também pela organização do próprio povo, reunir as
energias dispersas do povo em um todo poderoso capaz de destruir o
Estado. E segundo, a questão é como se poderia manter a organização
durante o processo revolucionário, sem perder seu ardor e sem mudar
sua orientação no dia seguinte da liberdade popular.
Tal organização, e em particular seu núcleo central, deve ser
integrada pelas pessoas mais firmes, mais inteligentes e dentro do
possível com instrução (ou seja, uma inteligência com base na
experiência), mais apaixonada, com uma dedicação sem titubeios nem
modificações, havendo renunciado na medida do possível a todo
interesse pessoal e rechaçado de uma vez por todas, em sua vida e
até a morte, como sendo uma prisão aos indivíduos: as comodidades
e os gozos sociais, as satisfações da vaidade, da ascensão social
e a fama. Esta gente estaria concentrada unicamente e inteiramente na
única paixão de emancipação do povo, sem buscar um papel
histórico em sua vida ou até de um rastro pessoal na história
depois de sua morte.
Esta abnegação total só é possível com a paixão. Você não
estimula a consciência do dever absoluto, e menos ainda com o
sistema de controle exterior, manipulação e obrigação. Apenas uma
paixão pode motivar em um indivíduo este milagre este poder, sem
esforço. De onde procede e como nasce tal paixão nos indivíduos?
Encontra-se na vida e nasce da ação conjunta do pensamento e da
vida; de modo negativo, como ódio e protesto contra aquilo que
existe e oprime; de modo positivo, pela convivência com aqueles que
pensam e sentem de forma similar, como criação coletiva de um novo
ideal. Portanto, tens que entender que esta paixão só é eficiente,
salvadora, quando nela se encontram na mesma medida, estreitamente
vinculada os dois componentes, o negativo e o positivo. Uma paixão
negativa, o ódio, não cria nada, nem sequer a força necessária
para a destruição e, portanto, não destrói nada; a paixão
positiva não quebra nada, dado que a criação do novo é impossível
sem destruir o velho, ela tampouco cria algo, ficando sempre como um
sonho doutrinário ou uma doutrina baseada no sonho.
A paixão profunda, a paixão arraigada e sem vacilações é a base
de tudo. Aquele que não a possui, inclusive se tem uma inteligência
muito elevada, inclusive se é muito honesto, não será capaz de
agüentar até o final a luta contra o terrível poder social e
político que nos oprime a todos. Não será capaz de resistir todas
as dificuldades, as impossibilidades e, sobretudo, as decepções que
lhe esperam e com as quais chocará sem dúvida nenhuma durante esta
luta desigual e diária. O homem sem paixão não terá nem força,
nem fé, nem iniciativa, nem valentia, e sem valentia tal obra não
se cumpre. Mas a paixão sozinha não basta; a paixão engendra
energia, porém, a energia sem uma direção clara resulta estéril e
absurda. Por isso, da mesma forma que a paixão, faz falta a razão
fria, calculadora, realista, prática frente a tudo, e também
teórica, conformada amplamente pela conhecimento e a experiência;
sem perder de vista nenhum detalhe; capaz de compreender as pessoas e
diferenciar-las, captar a realidade, as relações, as condições da
vida social em todas suas camadas e manifestações, seu verdadeiro
aspecto e sentido, não com o sonho e de modo arbitrário, como se
faz amiúde, meu amigo, e você em especial. É necessário, por fim,
conhecer bem a Rússia e a Europa, sua verdadeira situação política
e social, assim como o estado de espírito em uma e outra parte. Quer
dizer que a paixão própria, sendo sempre o elemento principal, deve
guiar-se com a razão e o conhecimento, deve deixar de agitar-se, e
sem perder sua chama interior e sua inquebrantável firmeza,
converter-se em uma paixão fria e, por isso, mais forte.
Tal é o ideal do conspirador convocado a formar parte do núcleo da
organização secreta.
Você me perguntará aonde encontrar semelhante pessoa, se existem
muitas na Rússia e inclusive em toda a Europa. Nesse assunto, em meu
sistema, não é necessário que tenhamos muitos membros. Lembre-se
que você não deve organizar o exército, apenas o estado-maior da
revolução. Pessoas assim, estão quase totalmente preparadas.
Talvez você encontre dez. Das capazes de ser-lo e que já estão
preparadas para isso, no máximo cinqüenta ou sessenta, e ao olho
de bom cubero é bastante. Você mesmo, estou profundamente
convencido disso, apesar de todas suas torpezas, seus erros
lamentáveis e funestos, apesar de todas as suas superstições
vulgares e burras, dentro de um sistema tão mentiroso, você não
tem de forma nenhum ambição pessoal, vaidade ou ambição (como
muitos, muitos mesmo, tendem a acreditar). Você mesmo, de quem terei
que separar-me e com quem decidi romper, se você não renunciar a
esse sistema, você mesmo, forma parte destas pessoas tão pouco
numerosas. Esta é a única razão de meu afeto por você, de minha
confiança com você apesar de tudo, de minha larga paciência, que,
contudo está por acabar-se. Pese os seus terríveis defeitos e
reflexões insuficientes, vejo e reconheço em você uma pessoa
inteligente, firme, enérgica, capaz de trabalhar com sangue frio,
apesar da inexperiência e da ignorância, pese muitas vezes o uso de
embustes, com uma total abnegação e apaixonadamente, profundamente
apegado e entregue a causa da emancipação do povo. Retire de você
seu sistema e tornar-se-á um ser valioso. Se você não o quer
tirar, se converterá seguramente em um ser perigoso e sumamente
destruidor, não para o Estado, senão para a causa da liberdade.
Porém, tenho a grande esperança de que os últimos eventos
ocorridos na Rússia e no estrangeiro tenham-lhe aberto os olhos, e
de que deseja e acredita ser imprescindível estendermo-nos a mão
sobre bases sinceras. Então, eu repito, veremos em você uma pessoa
valiosa e reconheceremos com alegria como nosso chefe para todas as
atividades na Rússia. E se você é realmente um homem dessa
natureza, então sem nenhuma dúvida encontrará na Rússia pelo
menos dez homens como você. Se não os possui, busque e os
encontrará e forme com nós uma nova associação sobre as bases e
as seguintes condições recíprocas:
1)
Reconhecimento completo, inteiro e apaixonado do programa ,
mencionado mais acima, de Narodnoe Delo (Ação Popular), com os
complementos e esclarecimentos que lhe pareçam necessários;
2)
Igualdade de direitos de todos os membros e solidariedade
incondicional e absoluta – um por todos e todos por um -, com a
obrigação de todos e de cada um em ajudarem, sustentarem e salvar
cada membro até a última possibilidade, dentro do que é factível,
sem por em perigo a própria existência da associação;
3)
Sinceridade absoluta entre os membros. Exclusão de todo jesuitismo
nas relações, a desconfiança ruim, o controle pérfido, a
espionagem e as delações recíprocas, ausência e proibição
terminante de rumores e indiretas. Quando um filiado tem algo a
reprovar a outro, deve fazer-lo na assembléia geral e em sua
presença. Controle fraterno coletivo de cada um por todos, controle
em nenhum caso incômodo, mesquinho e, sobretudo malévolo, do qual
deve substituir seu sistema de controle jesuítico, e deve fazer-se
com a educação moral, com o pilar da força de cada membro, com
base na confiança fraterna mútua, na qual se fundará toda a força
interior e, portanto exterior da associação;
4) Ficam
excluídos da associação todos os nervosos, medrosos, vaidosos e
ambiciosos. Podem servir, sem eles saberem, como instrumento da
associação, mas não devem absolutamente formar parte do núcleo da
organização;
5) Ao
aderir à associação cada membro se condena para sempre a não ser
conhecido nem se destacar. Toda sua energia e sua inteligência
pertencem a associação e devem tender, não a criar sua força
social pessoal, senão a força coletiva da organização. Cada um
deve convencer-se que o prestígio individual é impotente e estéril
e que apenas a força coletiva poderá derrubar o inimigo comum e
alcançar o objetivo positivo comum. Por isso, as paixões
individuais de cada filiado deverão ir-se apagando frente a paixão
coletiva;
6) A
inteligência individual de cada um se perde, como a um rio no mar,
na razão coletiva, e todos os membros obedecem absolutamente as
decisões desta;
7) Todos
os membros são iguais em direitos, conhecem todos seus companheiros
e com eles discutem e decidem todas as questões essenciais com
relação ao programa da associação, assim como sua atividade geral
e seu andamento. A decisão da assembléia geral é uma lei absoluta;
8) Cada
filiado possui de fato o direito de informar-se de tudo. Porém, se
descarta toda curiosidade trivial na associação, assim como os
comentários ocos sobre a atividade e os objetivos da associação
secreta. Informado do programa comum e da orientação geral da ação,
nenhum membro pedirá nem tratará de conseguir detalhes
desnecessários para a boa execução daquilo que ele está
encarregado; e sem necessidade prática não falará a nenhum
companheiro seu da tarefa que lhe foi encomendada;
9)A
associação elege entre seus filiados um Comitê executivo de três
ou cinco membros que, sobre a base do programa e do plano geral de
atividade adotado pela mesma, deve organizar sua ramificação e
dirigir seu trabalho por todas as regiões do império;
10) Este
Comitê é eleito por um período ilimitado. Se a associação, que
penso chamar de Fraternidade Popular, se a Fraternidade Popular está
satisfeita com a atividade do Comitê, o mantenha em suas funções,
e enquanto as exerça, cada membro da Fraternidade Popular e cada
grupo regional devem obedecer-lhe de forma absoluta, exceto nos casos
em que as ordens do Comitê contradigam o programa geral, os
princípios fundamentais, ou o plano conjunto de ação
revolucionária, conhecidos por cada um tendo em vista que todos os
irmãos participam em igual medida na avaliação e nas decisões;
11) Neste
caso, os membros e os grupos devem deixar de executar a ordens do
Comitê e processar-lo frente a assembléia geral da Fraternidade
Popular. Se a assembléia não está satisfeita com o Comitê, sempre
poderá substituir-lo por outro;
12) Cada
membro, assim como cada grupo, ser julgado pela assembléia geral da
Fraternidade Popular;
13) Posto
que cada irmão está informado de tudo, inclusive da composição do
Comitê, a admissão de todo membro novo deve ir de mãos dadas com a
maior cautela, reflexão e restrição, uma só má eleição pode
arruinar tudo. Nem um novo aderente será admitido de outro modo que
com o acordo de todos os irmãos ou em última instancia e de nenhuma
maneira com menos que as três quartas parte dos membros do conjunto
da Fraternidade Popular;
14) O
Comitê divide os membros por região e forma grupos ou comandos
regionais. No caso de haver um número insuficiente de membros, tal
comando ficará reduzido a um único irmão;
15) O
comando regional está encarregado de constituir uma associação de
segundo grau – a Fraternidade Regional – sobre a base do mesmo
programa, das mesmas regras e do mesmo plano revolucionário;
16) Todos
os membros da Fraternidade Regional se conhecem uns aos outros,
porém, desconhecem a existência da Fraternidade Popular. Apenas
sabem que existe um Comitê Central que lhes transmite suas ordens
para serem executadas através do Comitê Regional, designado pelo
Comitê Central;
17) O
Comitê Regional está constituído, dentro do possível, apenas de
irmãos populares designados e substituídos pelo Comitê Central, ou
em última instancia de um único irmão popular. Neste caso, este
designa, com o acordo do Comitê Central, os dois melhores membros da
Fraternidade Regional e forma com eles o Comitê Regional. Porém,
não existe igualdade entre todos os membros dado que só o irmão
popular está em contato com o Comitê Central, do qual lhe transmite
as ordens de seus companheiros do Comitês Regional;
18) O ou
os irmãos populares que se encontrem nas regiões, buscam na
Fraternidade Regional as pessoas capazes e dignas de serem admitidas
na Fraternidade Popular apresentando-as à assembléia geral da mesma
e através do Comitê Central;
19) Cada
comitê regional organiza Comitês de Distrito compostos de membros
da Fraternidade Regional, nomeados e substituídos pelo Comitê
Regional;
20) Os
comitês de Distrito podem fundar, em caso de necessidade, mas não
sem a aprovação do Comitê Regional, uma organização de terceiro
grau, a Fraternidade de Distrito, cujo programa e estatutos deverão
se aproximar o máximo possível ao programa geral e aos estatutos da
Fraternidade Popular. O programa e os estatutos da Fraternidade de
Distrito só serão vigentes depois de ser discutidos e aprovados
pela assembléia geral da Fraternidade Regional e confirmados pelo
Comitê Regional;
21) O
controle jesuítico, o sistema de manipulação policial e de
mentiras estão excluídos decididamente dos três graus da
organização secreta, assim como as Fraternidades Regionais, de
Distrito e da Fraternidade Popular. A força do conjunto da
associação, da mesma forma que a moral, a lealdade, a energia e a
dedicação de cada membro se fundam exclusiva e inteiramente na
verdade, na franqueza e na confiança recíprocas e no controle
fraterno aberto de todos por cada um.
Assim são os grandes traços do plano da associação como a
entendo. Desde logo, este plano deve ser desenvolvido, completado,
algumas vezes modificado de acordo às circunstâncias e a índole do
meio, e até definido de modo muito mais claro. Porém, estou
convencido de que o essencial deve manter-se se você deseja criar de
verdade uma força coletiva capaz de servir a causa da emancipação
do povo, e não uma nova exploração deste.
Os sistemas de manipulação e de mentira jesuíticos excluem-se
totalmente desse plano, por ser meios e princípios nocivos,
dissolventes e degradantes. Porém, fica também excluídos o
palavrório parlamentar, a agitação por vaidade. Se observa uma
estrita disciplina de todos os membros para com os Comitês e todos
os Comitês locais em relação ao Comitê Central. O juízo e o
controle dos membros pertencem as Fraternidades e não aos Comitês.
O novo poder executivo está nas mãos destes últimos. O direito de
julgar os Comitês, incluindo o Comitê Central, pertence unicamente
a Fraternidade Popular.
A Fraternidade Popular, em meu plano, nunca terá mais de cinqüenta
a setenta membros. No início é possível que não haja mais que dez
filiados e inclusive menos, logo se irá estendendo, de um a um, e
submetendo a cada um a um exame prévio sumamente minucioso, dentro
do possível, com a admissão por decisão unânime de todos os
membros da Fraternidade Popular ou no mínimo das três quartas
partes destes. Não é possível que em dois ou três anos não se
encontre trinta ou quarenta homens capazes de serem irmãos
populares.
Represente você a Fraternidade Popular em toda a Rússia, com
quarenta ou a lo sumo setenta membros. Logo algumas centenas de
membros da organização de segundo grau – os irmãos regionais -,
e cobrirá toda a Rússia com uma rede realmente poderosa. Sua plana
maior está formada, e como já se disse, nela se assentam, ao mesmo
tempo que uma extrema prudência e a expulsão de qualquer palavrório
e charlatanismo parlamentar, a verdade, a franqueza e a confiança
recíprocas e, por fim, a solidariedade real, como elementos de
moralização e de união.
A associação inteira forma um corpo, um todo sólido unido,
dirigido pelo Comitê Central e leva uma guerra subterrânea
permanente contra o Governo e contra as organizações que a combatem
ou que simplesmente trabalham fora dela. E aonde existe guerra,
existe política, aí se impõe a violência, a astúcia e a
manipulação.
As associações com objetivos próximos aos nossos devem ser
pressionadas para que se unam a nós ou, pelo menos, a ficarem-nos
subordinadas, sem que o saibam e afastando todos os elementos
nocivos. As associações contrárias e propriamente nefastas devem
ser anuladas. Por fim, o Governo deve ser aniquilado. Tudo isso não
se fará pela mera propaganda da verdade; a astúcia, a diplomacia, a
mentira serão necessárias. Ali o jesuitismo e até a manipulação
tem o seu lugar; a manipulação é um bom e excelente meio para
caracterizar e aniquilar o inimigo, porém, ela não é absolutamente
um modo útil para ganhar e atrair novos filiados.
Assim, na base de nossa atividade, deve haver esta simples lei:
verdade, honestidade, confiança entre todos os irmãos e com toda
pessoa capaz e que queira filiar-se. A mentira, a manipulação e, se
lhe faz falta, a violência, são contra os inimigos. Trabalhando
desse modo você moralizará, potencializará e unirá mais
estreitamente os seus, e você destruirá e anulará as relações e
as forças alheias.
Quanto a você, meu estimado amigo, - e é seu principal, seu imenso
erro -, você se deixou seduzir pelo sistema de Loyola e de
Maquiavel, o primeiro se propunha escravizar a humanidade inteira, o
segundo criar um poderoso Estado (monárquico ou republicano, pouco
importa), ou seja, a escravidão do povo. Com seu gosto pelos
princípios e os procedimentos jesuíticos e policiais, você pensou
fundar neles sua própria organização, sua força coletiva secreta,
a alma – para dizer assim – de toda sua associação. Em
conseqüência, você trabalha com seus amigos como se fossem
inimigos: trampea com eles, mente, se esforça para separar-los,
inclusive que criem inimizades entre eles, de modo que não possam
unir-se contra sua tutela. Você busca a força, não para a união
deles, senão a desunião, e não confiando absolutamente neles,
tenta conseguir contrariamente a eles fatos, cartas, que por sinal
você lê sem estar autorizado e até rouba. Sempre os enreda por
todos os meios possíveis para que dependam de você como escravos.
Para piorar, você faz isso de modo tão torpe, tão desajeitado,
indiscutível, imprudente e irreflexivo, que todas suas manipulações,
suas artimanhas e esquemas aparecem rapidamente em plena luz.
Impregnou-se tanto de jesuitismo que se esqueceu de todos os demais,
se esqueceu até mesmo do objetivo e do desejo apaixonado que lhe
atraiu a emancipação do povo. Tanto se impregnou de jesuitismo que
está disposto a predicar-lo como imprescindível a todos, até a
Sukovski. Você quis inclusive dedicar artigos e encher com seus
ensinamentos o Kolokol, recordando o refrão Suvorov: “Graças a
Deus, não é certo o que todos pensavam ser”. Em uma palavra, você
se pôs a jogar com o jesuitismo, como uma criança com futilidades
ou Utin com a revolução.
Vejamos o que você alcançou e conseguiu fazer em Genebra com a
ajuda de seu sistema jesuítico. O fundo Bajmetev lhe foi entregue.
Esse é o único resultado real e importante que conseguiu. Porém,
Ogarev lhe transmitiu este fundo e eu lhe aconselhei com vigor para
que o fizesse, não porque você se comportara de modo jesuítico,
senão porque, apesar do seu jesuitismo demasiado simplista, ambos
sentimos e reconhecemos em você a um homem profundo, ardente e
seriamente dedicado a causa russa. Porém, saiba – e é de minha
parte uma amarga constatação – que quase começo a me arrepender
de haver aconselhado a Ogarev a lhe entregar este fundo, não porque
penso que você poderá empregar-lo de modo desonesto e com
finalidades pessoais – me preservem todos os santos de tão vil
idéia e realmente absurda, e eu quero morrer se penso que você
possa usar sequer um centavo para você mesmo –, não, começo a
arrepender-me porque, observando todos seus atos, eu deixei de
acreditar em sua maturidade política, em sua seriedade e na
existência de seu Comitê e de toda sua associação. A quantia não
é enorme, mas é o que tínhamos e vai ser desperdiçada em vão, de
modo inútil, descarado, em tentativas disparatadas e impossíveis.
Mas com essa quantia reduzida e a ajuda de poucas pessoas,
expressando-lhes com muita sinceridade sua intenção de servir a
causa russa comum, sem exigências nem pretensões, sem vaidade nem
presunção, teria podido fazer não poucas coisas úteis em Genebra.
Você poderia ter criado um órgão serio, com um programa
francamente social revolucionário e associado ao periódico, um Birô
no estrangeiro para a condução de nossa ação fora da Rússia, com
certa autonomia ainda que não absolutamente completa, mas não
obstante real. Foi com esse fim que fui chamado a primeira vez a
Genebra por seu comitê, quer dizer, por você. E o que encontrei em
Genebra? Primeiro o programa deformado do Kolokol, do qual o Comitê
e você pediam diretamente absurdos e feitos impossíveis. Você sabe
que posso admitir a debilidade que me induziu a ceder a você nesta
questão. Vou ter que responder por este infeliz Kolokol e em geral
por minha solidariedade com você frente a todos meus amigos
internacionais, por uma parte, por causa de Utin, e por outra, de
Sukovski, que, o primeiro com seu ódio, o segundo com sua boa
vontade, nos vão caluniando.
A propósito de Sukovski: você lhe demonstrou seu grande
desconhecimento e incompreensão das pessoas e sua incapacidade de as
atrair para sua causa com uma atitude direta, honesta quer dizer,
forte. Conhecendo muito bem Sukovski lhe havia descrito em detalhes o
seu caráter, suas capacidades e incapacidades, de modo que lhe seria
fácil incitar-lhe a estabelecer relações sérias com você.
Apresentei-lhe ele como um homem muito bom, capaz, longe de ser
idiota, ainda que sem espírito de iniciativa, mas assimilando bem as
idéias alheias e podendo propagá-las e difundir-las com bastante
eloqüência, mais pela palavra que pelo papel. É um homem
impressionante como um artista, devotado com bastante força a uma
tendência, mas falta-lhe caráter na medida em que não gosta do
perigo, frente a uma oposição categórica cede facilmente as
influências mais diversas. Em uma palavra, é um homem muito capaz
de levar a propaganda, mas de nenhuma maneira para formar parte de
uma associação secreta. Você deveria ter acreditado em mim e não
acreditou, e ao invés de ganhar Sukovski para nossa causa, você o
afastou de você e de mim. Você tentou enrolar-lhe, enganar-lhe,
para que se convertesse em seu escravo. Com este fim você se colocou
a criticar-me, rir de mim, mas houve em Sukovski um espírito de
honestidade que se rebelou. Me contou tudo o que você lhe disse de
mim, com indignação e repugnância, e se eu fosse mais orgulhoso e
mais fraco, haveria bastado isso para que eu rompesse minha relações
com você. Se lembrará que me contentei em repetir-lhe, sem
comentários, as palavras de Sukovski. E você nada respondeu e não
me pareceu útil prosseguir a conversa. Logo que você expôs a
Sukovski sua teoria preferida de comunismo estatal e de jesuitismo
policial, e o afastou definitivamente de você. Por fim, houve as
miseráveis fofocas de Henry que fizeram de Sukovski seu inimigo
mortal, e não só seu, pode-se dizer que meu também. E, no entanto,
apesar de todos seus pontos débeis, Sukovski poderia ter sido útil.
Reconheço também, estimado amigo, que seu sistema de chantagem, de
armadilha e intimidação com Tatá, me revoltaram extremamente, já
expus isso diversas vezes. O resultado é que você lhe infundiu uma
profunda desconfiança para todos nós e o sentimento que você e eu
tínhamos a intenção de explorar seus recursos, extrair-los, desde
logo, não para a causa, mas para nós mesmos. Tatá é, em toda a
acepção do termo, uma pessoa honesta e sincera, mas incapaz, ao meu
ver, de dedicar-se por inteira a seja o que for. É, portanto, uma
diletante, não por natureza, senão por mentalidade, diletante tanto
do ponto de vista moral como intelectual, mas se pode confiar em sua
palavra e era possível que se convertesse, senão em nossa amiga,
pelo menos em uma companheira fiel. Você tinha que portar-se com ela
franca e lealmente, sem buscar estratagemas em que você acreditar
retirar sua força. Mas que revelam sua debilidade. Enquanto
acreditei possível e útil falar com ela direta e francamente para
atuar sobre seu livre pensamento, o fiz. Não quis ir mais longe com
você, estava com asco. E só quando por você me informei que
Natalia Alekseevna propagava calúnias sobre mim, afirmando que eu
pegava o dinheiro de Tatá e quando vi que esta estava perplexa, me
afastei dela decididamente.
A propósito, você me afirmou muitas vezes que havia sabido por Tatá
que Natalia Alekseevna e Tchórzewski gritavam por todas as partes,
contavam a todos, escreviam que eu buscava aproveitar os recursos de
Tatá. Mas Natalia Alekseevna e Tchórzewski afirmam pelo contrário
que não disseram nunca a ninguém ou escreveram semelhante coisa e
Tatá me confirmou isso. Durante minha última estadia em Genebra,
você disse saber por Serebrennikov (Sêmen) que Sukovski havia
declarado a este último que eu explorava Tatá. Fiz a pergunta a
Serebrennikov e soube que Sukovski lhe falou de você e não de mim.
Você me contou também que a mulher de Sukovski lhe havia pedido que
você se unisse a Utin, afirmando-lhe que toda aliança comigo era
inútil, impossível e doentia. Porém ela disse o contrário: não
lhe falou de mim, não lhe propôs que fosse com Utin, com quem me
disse que havia rompido mais ou menos, e não foi ela senão você
quem lhe propôs buscar fundos para unir-se, e é você que esperava
ditos fundos.
Você já consegue ver quanto a mentira insensata é inútil e como
sai facilmente a luz. Confesso que desde minha primeira viagem a
Genebra foi uma forte decepção e quebrou minha confiança em
sólidos vínculos e em uma ação com você. Sobre o assunto pelo
qual havia sido chamado a Genebra e que era a única razão da minha
viagem, não intercambiamos nem uma só palavra concreta. Varias
vezes comecei a orientar a conversa sobre o birô no estrangeiro e
você a evitou. Você esperava não sei que resposta definitiva do
Comitê que nunca chegou. Acabei por ir embora depois de remeter
através de você cartas ao Comitê (na qual pedia que se expusesse e
precisasse claramente o assunto pelo qual me haviam chamado) e
declarei estar firmemente decido a não voltar a Genebra enquanto não
recebesse uma resposta satisfatória.
Em maio você voltou a me chamar a Genebra. Me neguei várias vezes a
fazer a viagem, no fim eu fui. Este último passo confirmou todas
minhas dúvidas e arruinou minha confiança na lealdade e na
veracidade de sua palavra. A conversa na minha presença entre você
e Lopatin, na mesma tarde da minha chegada, as acusações precisas,
duras deste contra você, com uma confiança que não deixava lugar a
nenhuma dúvida sobre a veracidade de suas palavras, que convertiam
as suas em outras tantas mentiras. Sua recusa completa de todos os
detalhes que figuram no relato de sua evasão tal como você a
publicou, suas acusações diretas contra os companheiros mais
próximos de você, acusações escritas, que Lopatin, segundo as
palavras de você, que me confirmou mais tarde, teve a oportunidade
de ler, particularmente seu desprezo pelas atuações, manobras e
denuncias totalmente inúteis de Pryzov, que sempre me pintou como um
de seus melhores e mais firmes companheiros. Por fim, a negativa
direta e decidida de Lopatin da existência de seu Comitê nesses
termos: “Nechayev pode lhe contar isso, porque você está longe da
Rússia. Porém, não tentará repetir-lo frente a mim, por saber
muito bem que estou interado de tudo e que conheço todos os grupos,
as pessoas, as relações entre uns e outros e o que passou lá. Você
vê que com seu silencio confirma a exatidão de tudo o que lhe disse
sobre sua evasão, cujos melhores detalhes e circunstancias ele sabe
que os conheço muito bem, assim como seus companheiros e seu Comitê
fictício”. De fato, a tudo isso você respondeu com o silêncio e
nem sequer tratou de defender nem a si mesmo, nem a nenhum de seus
companheiros, nem sequer a realidade de seu Comitê.
Lopatin triunfava e você frente a ele afundava. Não podia
dizer-lhe, estimado amigo, quanto me era penoso por você e por mim.
Eu já não podia colocar em dúvida a verdade das palavras de
Lopatin. Significava que você havia mentido sistematicamente para
nós. Significava que toda sua ação estava encharcada, apodrecida
pela mentira e baseada em areia. Significava que seu Comitê
era unipessoal, pelo menos para as três quartas partes, com dois,
três ou quatro companheiros em suma que lhe ficam submetidos ou
sobre quem você exerce uma influência predominante. Toda a ação
pela qual você deu sua vida se desmoronou, se esfumaçou por causa
de uma orientação mentirosa e burra de seu sistema jesuítico, que
rebaixou você e mais ainda seus companheiros. Eu o quero
profundamente e sigo querendo, tinha por você uma grande, muito
grande confiança e ao ver-lhe em tal situação, na humilhação
frente a este charlatão do Lopatin, senti uma indescritível
amargura.
Me era doloroso, e por
mi mesmo. Incitado pela confiança em você, lhe entreguei meu
nome e me solidarizei publicamente com sua ação. Tentei com toda
minha energia atrair a simpatia de Ogarev e a confiança dele para
sua empresa. Lhe aconselhei sempre que lhe entregasse o Fundo em sua
totalidade. Ganhei-lhe a Ozerov e fiz de tudo para convencer Tata
para que se somasse a nós, ou seja, a você, e que se entregasse por
inteira a ação. Por fim, contra minha convicção, convenci a
Ogarev que publicasse Kolokol com base em seu programa fantasioso,
absurdo, impossível. Em uma palavra, confiando em você sem reserva,
quando você me enganava sistematicamente, me portei como um tonto
rematado (o que é tão amargo quanto vergonhoso para um homem como
eu, dada minha experiência e minha idade) e, o que é pior,
comprometi minha posição frente a causa russa e a causa
internacional.
Quando Lapatin saiu eu lhe perguntei: “Ele disse a verdade? Será
possível que tudo o que você me disse tinha sido só mentira?”
Você desviou a resposta. Era tarde. Fui embora. E todas as
conversações e discussões do dia seguinte com Lopatin me
convenceram que ele dizia a verdade. Você ficou em silêncio. Eu
esperava o resultado de seu último encontro com ele, você não me
comunicou. Porém acabo de tomar conhecimento por cartas de Lopatin
que Ozerov lhe lerá.
O aprendizado me basta para tomar medidas contra novas tentativas
suas de explorar a mim e a meus companheiros. Em conseqüência,
escrevi um ultimato que lhe li rapidamente na casa dos turcos e me
pareceu que você o aceitava. Desde este encontro, não nos voltamos
a ver.
Ao fim, recebi anteontem uma carta que Lopatin que me ensinou dois
tristes fatos: primeiro, você mentiu... (não vou empregar
superlativo) contando-me sua conversa com ele. Tudo o que você me
disse era pura mentira. Não lhe disse que lhe devolvi as cartas de
Liubavin, e tampouco; “O velho não resistiu a prova, agora é
nosso prisioneiro, já não pode fazer nada contra vocês...”; a
isto você lhe havia respondido: “Se Bakunin teve a debilidade de
devolver as cartas de Liubavin, temos outras delas, etc.” Você
mentiu, caluniou Lopatin, você me enganou deliberadamente. Lopatin
se assombra que eu tenha podido acreditar em você e com palavras
corteses tira conclusões pouco lisonjeiras sobre minhas capacidades
mentais. Não esta equivocado, nesse caso eu fui completamente burro.
Porém não teria me julgado com tanta severidade se ele soubesse
como eu lhe quis e acreditei com paixão e ternuras profundas! Você
decidiu arruinar tal confiança, pior para você. Eu poderia supor
que um homem inteligente e dedicado a causa, como você parecia aos
meus olhos, apesar de tudo o que ocorreu, podia eu imaginar que você
poderia mentir de modo tão descarado e estúpido frente a mim,
quando minha dedicação não lhe deixava lugar a dúvidas? Como não
passou pela sua cabeça que sua insolente mentira viria a tona e que
eu pediria, deveria pedir explicações a Lopatin, quanto mais que em
meu ultimato se dedicava a necessidade de tratar com plena caridade o
assunto Liubavin?
O segundo fato: Liubavin não recebeu minha resposta a sua carta
descarada; por tanto, tampouco tive o recibo adjunto. Quando mostrei
a você minha resposta e o recibo, você me pediu que esperasse e que
não o enviasse. Eu lhe rechacei e então você se encarregou de
entregar minha carta e você não o fez. Basta com tudo isso
Nechayev, acabaram nossas antigas relações e nossos compromissos
recíprocos. Você mesmo os destruiu. Se você acreditou e acredita
ainda me obrigar e me enrolar moral e materialmente, está muito
equivocado. Nada no mundo pode me prender contra minha consciência,
minha honra, minha vontade, minha concepção e meu dever
revolucionários.
É verdade que no plano financeiro, me encontro hoje, dependo de
você, em uma situação muito difícil. Não tenho meios de
existência e minha única fonte de renda – a tradução de Marx e
a esperança de poder receber outras obras literárias – agora se
esgotou. Não tenho um centavo e não sei como sairei desse apuro,
mas esta é a última das minhas preocupações.
A verdade é que me equivoquei frente a meus companheiros e fico meio
paralisado agora. Estão chovendo calúnias sobre mim pelo Fundo, a
história com Liubavin, com Tatá, em fim, por tudo o que ocorreu
ultimamente na Rússia.
Mas tudo isso não me vai fazer parar. Estou disposto, se for
necessário, a confessar minha insensatez e arrependimento
publicamente. Seguramente, será para mim uma vergonha grande, mas
que me recomporá. Não serei mais seu aliado forçado.
Declaro-lhe decididamente, portanto, que todas minhas relações até
agora insalubres com você e todos meus laços com sua ação se
romperam. Porém, rompendo-os, lhe proponho estabelecer entre nós
novos vínculos sobre outras bases.
Lopatin, que não lhe conhece tão bem como eu, se estranharia com
tal proposta de minha parte depois de tudo o que passou entre nós.
Não será uma surpresa para você nem para meus companheiros mais
próximos.
Sem dúvida alguma, você fez muitas burrices e sujeiras realmente
prejudiciais e desastrosas para a própria causa. Porém, é claro
para mim, que todos seus atos estúpidos e suas tremendas burradas
não tinham como meta nem o interesse pessoal, nem a ganância, nem a
vaidade ou o amor próprio, senão unicamente sua falsa concepção
da ação. Você tem uma dedicação apaixonada e poucos existem como
você, daí sua força, sua valentia, seu direito. Você e seu Comitê
(se ele existe de verdade) estão cheios de energia e dispostos a
cumprir sem frases ocas quando acreditam ser válido para a causa, e
isto é valioso. Porém, ao seu Comitê e a você mesmo lhes falta
equilíbrio, isso é evidente agora. Como crianças, vocês se
agarraram ao sistema jesuítico vendo nisto toda sua força, seu
êxito e sua salvação. Vocês esqueceram-se do essencial e do
objetivo da associação: emancipar o povo não apenas dos
dirigentes, senão de vocês mesmos. Por adotar esse sistema, vocês
levaram-no a extremos monstruosos e estúpidos, pervertendo e
desonrando a associação no mundo inteiro; com esquemas muito torpes
e absurdos incríveis, tal como suas cartas de ameaças a Liubavin, a
Natalia Alekseevna, e sua longa e amável paciência com Utin (quando
este nos estava difamando fortemente a todos com insolência), assim
como seu nefasto programa comunista e um montão de manipulações
sem-vergonhas. Tudo isso testemunha uma ausência completa de
inteligência, saber e conhecimento dos indivíduos, das relações e
das coisas. Portanto, é impossível, ao menos neste momento, contar
com sua razão, apesar de você ser sumamente inteligente e capaz de
adquirir mais juízo ulteriormente, mas isso é uma esperança para o
futuro. Para o presente, você se mostrou torpe e ridículo como uma
criança.
Firmada definitivamente minha convicção, estou na seguinte
situação:
Suas palavras, suas afirmações e suas promessas ocas, sem
conformação com os fatos, agora não vou acreditar nelas por saber
que para você não importa mentir se lhe parece útil a causa.
Tampouco acredito no você vê como justo e racional, porque você e
seu Comitê me deram muitas provas de insensatez. Porém, se nego sua
visão da realidade e das possibilidades, não rechaço sua energia e
sua dedicação absoluta à causa, vejo que neste âmbito, poucos
homens existem na Rússia como você. Era isso, repito mais uma vez,
é a principal e inclusive a única razão de meu afeto por você e
de minha confiança. Até hoje tenho a convicção de que você é –
mais que todos os outros russos que conheço – capaz e chamado a
servir a causa revolucionária russa, unicamente, logicamente, se
quiser e puder modificar todo seu sistema de atividade na Rússia e
no estrangeiro. Se você não o quiser modificar, se converterá
inevitavelmente, em razão das qualidade de fazem a força, em um
homem eminentemente perigoso à causa.
Com essas considerações, e apesar de tudo o que passou entre nós,
desejaria não apenas estar unido a você, senão que estar ainda de
modo mais estreito e firme, supondo, naturalmente, que você
modifique por completo de sistema e coloque como base de nossas
futuras relações a confiança mútua, a franqueza e a verdade. Caso
contrário, nossa ruptura é inevitável.
Agora vêm minhas condições de ordem pessoal e geral. Começo pelo
pessoal:
1) Você
me colocará fora de cena e reconhecerá que não tenho nada a ver
com a história com Liubavin; e escreverá uma carta coletiva a
Ogarev, Tata, Ozerov e a S. Serebrennikov, na qual você declarará,
de acordo com a verdade, que eu ignorava tudo na carta do Comitê e
que foi escrita sem meu conhecimento e contra minha vontade;
2) Que
você leu minha resposta a Liubavin a qual estava anexada o recibo de
300 rublos, e que, encarregado de deixar a carta no Correio, deixou-a
ou não na caixa de correio;
3) Que
nunca tive direta e indiretamente uma intervenção na gestão do
Fundo Bajmetev. Que você recebeu a totalidade do Fundo em datas
distintas, primeiro das mãos de Herzen e Ogarev, depois, a maior que
sobrou, de Ogarev que, depois da morte de Herzen era o único com o
direito a administrar-lo, e que você o aceitou em nome do Comitê do
qual você era o representante;
4) Se
você ainda não deu recibo a Ogarev pela entrega do Fundo, você
deverá lhe dar;
5) Você
deverá devolver o quanto antes a mensagem de Danielson, pelo nosso
intermediário e o de Lopatin. Se não está em suas mãos (mas tenho
certeza que está com você), você se comprometerá nesta mesma
carta a enviarnos o mais rapidamente possível;
6) Você
abandonará as tentativas, que não levam a nada e que são indignas
para a causa, de aproximação e reconciliação com Utin, que a
ambos nos calunia assim como a todos os seus em Rússia de um modo
sumamente repugnante. Ao contrário, você se comprometerá,
escolhendo a hora e a ocasião para não prejudicar a causa, para
combater-lo abertamente.
Estas são as minhas condições: a recusa de um desses pontos, e em
particular dos inço primeiros e da primeira metade do sexto, ou
seja, o fim de todas as relações com Utin, será para mim um motivo
suficiente para romper qualquer vínculo com você. E tudo isso você
deve cumprir de modo amplo, direto, honesto, sem mal-entendidos
mesquinhos, reticências, alusões e equívocos. Já é hora que
tenhamos um jogo limpo.
Agora vêm as condições globais:
1) Sem
dar os nomes, que não necessitamos, nos mostrará a situação real
de sua organização e sua ação na Rússia, suas esperanças, sua
propaganda, seu movimento, sem exageros e enganos;
2)
Extinguirá de sua organização qualquer uso de sistema policial e
jesuítico, conformando-se em aplicar-lo somente em casos de
necessidade prática extrema, principalmente com sensatez, apenas
contra o governo e os partidos inimigos;
3) Você
deixará o pensamento absurdo que se pode fazer a revolução fora do
povo e sem a participação popular, e tomará como base de toda sua
organização a revolução popular espontânea, em que o povo será
o exército, e a organização unicamente a estado-maior;
4)
Adotará como base da organização o programa social revolucionário
exposto no primeiro número de Narodnoe Delo [Ação Popular], o
plano de organização e de propaganda revolucionária apresentado
por mim em minha carta, com os acréscimos e as modificações que
juntos em assembléia geral consideremos necessárias;
5) Tudo o
que adotemos em discussão comum e decisões unânimes, será
submetido a você e a todos seus companheiros em Rússia e no
estrangeiro. Se rechaçarem nossas decisões, você terá que
determinar se quer ir com eles ou com nós, romper as relações com
eles ou com nós;
6) Se
aceitarem o nosso programa, plano de organização, o regulamento da
associação e o plano de propaganda e ação revolucionária, você
por eles e em seu nome nos dará a mão e sua palavra de honra que
daqui pra frente este programa, plano de organização, propaganda e
ação serão a lei absoluta e a base imprescindível de sua
associação na Rússia;
7)
Confiaremos em você e sobre novas bases estabeleceremos com você
novos e fortes vínculos, nós Ogarev, Ozerov, S. Serebrennikov, eu e
talvez Tatá, se você quiser, e se você e todos os outros estão de
acordo, seremos de verdade irmãos populares, vivendo e militando no
estrangeiro. Por isso, sem manifestar nunca uma curiosidade
supérflua, teremos o direito de saber e saberemos de modo positivo,
com todos os detalhes desejados, a situação clandestina e os
objetivos imediatos em Rússia;
8) Logo,
todos os já mencionados formaremos um Birô no estrangeiro para a
condução sem nenhuma exceção de todos os assuntos russos no
estrangeiro no estrangeiro conformando-nos às indicações políticas
gerais da Rússia, mas elegendo livremente os métodos, as pessoas e
os meios;
9) Além
disso, se publicará Kolokol com um programa revolucionário
socialista claro, por ser necessário e por haver os fundos
suficientes;
Tais
são, Nechayev, minhas condições para com você. Se você abandonou
a reflexão cega, se em você voltou um ânimo de compreensão
sensata da ação e se o amor pela ação é efetivamente mais forte
em você que em todos os demais, então você as aceitará.
Se não
as aceitar, minha decisão é inquebrantável, terei que romper toda
relação com você e, sem ajustar-me a nada mais que a minha própria
consciência, meu enfoque e meu dever, trabalharei com independência.
Mikhail
Bakunin, 2 de Junho de 1870.
--------------------------------
Notas:
[1] “Abrek”, um guerreiro do Cáucaso, um combatente solitário,
inimigo de parte de seu clã e dos russos (Nota da tradução em
expanhol).
[2] “Beguni”, miembros de una secta religiosa opuestos al Zar y a
sus leyes (Nota da tradução em espanhol).
Nenhum comentário:
Postar um comentário