10 de nov. de 2009

Um Federalismo Internacionalista (1868)


Como afirma James Guillaume, Bakunin tentara em vão fazer adotar, pelo Congresso de Berna (setembro de 1868) da Liga da Paz e da Liberdade, da qual era membro, liga de tendências burguesas, liberais e humanitárias, o seguinte texto, onde se encontra um certo número de idéias já desenvolvidas no programa da Federação Revolucionária que precede. Mais claramente ainda que o precedente, este texto é de inspiração proudhoniana, tanto no que concerne à apologia do princípio federativo quanto à crítica do princípio de nacionalidade, caro a Napoleão III (ao qual Bakunin subscrevia ainda quando voara em socorro da insurreição polonesa de 1863).


Um Federalismo Internacionalista

Como afirma James Guillaume, Bakunin tentara em vão fazer adotar, pelo Congresso de Berna (setembro de 1868) da Liga da Paz e da Liberdade, da qual era membro, liga de tendências burguesas, liberais e humanitárias, o seguinte texto, onde se encontra um certo número de idéias já desenvolvidas no programa da Federação Revolucionária que precede. Mais claramente ainda que o precedente, este texto é de inspiração proudhoniana, tanto no que concerne à apologia do princípio federativo quanto à crítica do princípio de nacionalidade, caro a Napoleão III (ao qual Bakunin subscrevia ainda quando voara em socorro da insurreição polonesa de 1863). (Daniel Guérin)

Estamos contentes de poder declarar que o princípio federativo foi unanimemente aclamado pelo Congresso de Genebra. A própria Suíça que, aliás, o pratica hoje com tanta felicidade, a ele aderiu sem restrições e o aceitou em todas as suas conseqüências. Infelizmente, nas resoluções do congresso, este princípio foi muito mal formulado e não se acha nem indiretamente mencionado, primeiro por ocasião da Liga que devemos estabelecer, e, mais abaixo, em relação ao jornal que devemos redigir com o nome “Estados Unidos da Europa”, enquanto deveria, na nossa opinião, ocupar o primeiro lugar na nossa declaração de princípios.

É uma lacuna deplorável que devemos nos apressar em preencher. Conforme o sentimento unânime do Congresso de Genebra, devemos proclamar:

1. Que para fazer triunfar a liberdade, a justiça e a paz nas relações internacionais da Europa, para tornar impossível a guerra civil entre os diferentes povos que compõem a família européia, só existe um meio: é constituir os Estados Unidos da Europa.

2. Que os Estados Unidos da Europa jamais poderão formar-se com os Estados tal como são hoje constituídos, dada a desigualdade monstruosa que existe entre suas respectivas forças.

3. Que o exemplo da falecida Confederação Germânica provou de maneira peremptória que uma confederação de monarquias é uma tolice; que ela é impotente para garantir seja a paz, seja a liberdade das populações.

4. Que nenhum Estado centralizado burocrático e, por isso, militar, mesmo dizendo-se república, poderá entrar séria e sinceramente em uma confederação internacional. Por sua constituição, que será sempre uma negação aberta ou mascarada da liberdade interna, seria necessariamente uma declaração de guerra permanente, uma ameaça contra a existência dos países vizinhos. Fundado essencialmente sobre um ato ulterior de violência, a conquista, ou o que na vida privada chamamos roubo com arrombamento, ato abençoado pela Igreja de uma religião qualquer, consagrado pelo tempo e por isso transformado em Direito histórico, e apoiando-se nessa divina consagração da violência triunfante como em um direito exclusivo e supremo, cada Estado centralista se coloca como uma negação absoluta do direito de todos os outros Estados, só os reconhecendo, nos tratados que ultima com eles, por interesse político ou por impotência.

5. Que os adeptos da Liga deverão, portanto, tentar com seus esforços reconstituir suas respectivas pátrias, a fim de substituir a antiga organização fundada, de alto para baixo, sobre a violência e o princípio de autoridade por uma organização nova tendo por base apenas os interesses, as necessidades e as atrações naturais das populações e por princípio a federação livre dos indivíduos nas comunas, das comunas nas províncias, das províncias nas nações, enfim, destas nos Estados Unidos da Europa primeiramente e mais tarde no mundo inteiro.

6. Conseqüentemente, abandono absoluto de tudo que se chame direito histórico dos Estados; todas as questões relativas às fronteiras naturais, políticas, estratégicas, comerciais deverão ser consideradas de ora em diante como pertencendo à história antiga e repelidas energicamente por todos os adeptos da Liga.

7. Reconhecimento do direito absoluto de cada nação, grande ou pequena, de cada povo, fraco ou forte, de cada província, de cada comuna a uma completa autonomia, desde que sua constituição interna não seja uma ameaça e um perigo para a autonomia e a liberdade dos países vizinhos.

8. Do fato de um país fazer parte de um Estado, mesmo que tenha sido anexado livremente, não se depreende a obrigação de permanecer sempre ligado a ele. Nenhuma obrigação perpétua seria aceita pela justiça humana, a única com autoridade entre nós, e nós jamais reconheceremos outros direitos nem outros deveres que os que se fundamentam na liberdade. O direito da livre reunião e da secessão igualmente livre é o primeiro, o mais importante de todos os direitos políticos; aquele sem o qual a confederação seria apenas uma centralização mascarada.

9. Do exposto resulta que a Liga deve francamente proscrever qualquer aliança de tal fração nacional da democracia européia com os Estados monárquicos, mesmo que esta aliança tenha por objetivo reconquistar a independência ou a liberdade de um país oprimido; tal aliança, só podendo trazer decepções, seria ao mesmo tempo uma traição contra a revolução.

10. Em compensação, a Liga, precisamente por ser a Liga da Paz e por estar convencida de que a paz só poderá ser conquistada e construída sobre a mais íntima e completa solidariedade dos povos na justiça e na liberdade, deve proclamar suas simpatias por toda insurreição nacional contra qualquer opressão seja estrangeira, seja autóctone, desde que esta insurreição se faça em nome de nossos princípios e no interesse tanto político quanto econômico das massas populares, mas não com a intenção ambiciosa de fundar um Estado poderoso.

11. A Liga desencadeará uma guerra sem limites a tudo o que se chama glória, grandeza e força dos Estados. A todos esses falsos e nocivos ídolos aos quais foram imoladas milhões de vítimas humanas oporemos as glórias da inteligência humana que se manifesta na ciência e de uma prosperidade universal fundada sobre o trabalho, a justiça e a liberdade.

12. A Liga reconhecerá a nacionalidade como um fato natural, tendo incontestavelmente direito a uma existência e a um desenvolvimento livre, não como um princípio, pois todo o princípio deve ter o caráter da universalidade e a nacionalidade, ao contrário, é um fato exclusivo, separado. O suposto princípio da nacionalidade, como foi colocado em nossos dias pelos governos da França, da Rússia e da Prússia e até por muitos patriotas alemães, poloneses, italianos e húngaros, é apenas um derivativo oposto pela reação ao espírito da revolução: eminentemente aristocrático no fundo, a ponto de desprezar os dialetos das populações não letradas, negando implicitamente a liberdade das províncias e a autonomia real das comunas, e mantido em todos os países não pelas massas populares, cujos interesses reais ele sacrifica sistematicamente a um suposto bem público, que nada mais é do que o das classes privilegiadas, este princípio exprime apenas os pretensos direitos históricos e a ambição dos Estados. O direito de nacionalidade unicamente poderá ser considerado pela Liga como uma conseqüência natural do princípio supremo da liberdade, deixando de ser um direito no momento em que se coloca quer contra a liberdade, quer fora da liberdade.

13. A unidade é o objetivo em direção da qual tende irresistivelmente a humanidade. Mas ela se tornará fatal, destruidora da inteligência, da dignidade, da prosperidade dos indivíduos e dos povos, sempre que se formar fora da liberdade, seja sob a autoridade de uma idéia teológica, metafísica, política ou até econômica qualquer. O patriotismo que tem por objetivo a unidade fora da liberdade é um mau patriotismo, sempre funesto aos interesses populares e reais do país que pretende exaltar e servir, amigo, sem o saber, da reação – inimigo da revolução, isto é, da emancipação das nações e dos homens. A Liga só poderá reconhecer uma única unidade: a que se constituir livremente pela federação das partes autônomas no todo, de forma que este, cessando de ser a negação dos direitos e dos interesses particulares, cessando de ser o cemitério onde forçosamente se enterram todas as prosperidades locais, se tornará ao contrário a confirmação e a fonte de todas estas autonomias e de todas estas prosperidades. A Liga atacará, pois, vigorosamente, toda organização religiosa, política, econômica e social que não esteja envolta por este grande princípio da liberdade: sem ele não há inteligência, não há justiça, não há prosperidade, nem humanidade.

Fonte: Fonte: http://www.pfilosofia.xpg.com.br/ . Bakunin, Michael Alexandrovich. Textos Anarquistas (Col. L&PM Pocket); seleção e notas de Daniel Guérin; tradução de Zilá Bernd. Porto Alegre: L&PM, 1999. 196p.

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