Os textos que seguem são ao mesmo tempo os menos conhecidos e talvez os mais importantes dos escritos anarquistas de Bakunin. Eles não constam dos seis volumes das Obras cuja publicação foi empreendida por seu discípulo James Guillaume, entre 1895 e 1913. Ainda não foram recolhidos aos Arquivos Bakunin, em fase de publicação nos Países Baixos. Constam apenas da monumental Biografia de Bakunin escrita à mão, em alemão, por Max Nettlau, e da qual só existem raros exemplares autografados nas principais bibliotecas do mundo.
A Sociedade ou Fraternidade Internacional Revolucionária (1865)
Introdução, por Daniel Guérin
Os textos que seguem são ao mesmo tempo os menos conhecidos e talvez os mais importantes dos escritos anarquistas de Bakunin. Eles não constam dos seis volumes das Obras cuja publicação foi empreendida por seu discípulo James Guillaume, entre 1895 e 1913. Ainda não foram recolhidos aos Arquivos Bakunin, em fase de publicação nos Países Baixos. Constam apenas da monumental Biografia de Bakunin escrita à mão, em alemão, por Max Nettlau (1), e da qual só existem raros exemplares autografados nas principais bibliotecas do mundo.
Trata-se de vários documentos separados. Apresentam, por isso, repetições. Não achamos, contudo, necessário fazer cortes, ao menos na sua parte ideológica, nem tentar modificar a ordem de exposição. Seria o mesmo que deflorar o rico e poderoso caudal do pensamento bakuniano. Um destes textos tem por título Catecismo Revolucionário. Ele não deve ser confundido com as Regras nas quais deve inspirar-se o revolucionário (erradamente conhecidas como “Catecismo Revolucionário”) onde se sustentará que “o fim justifica os meios”. A colaboração de Bakunin neste “catecismo” amoral de 1869 é hoje contestada, por meio de provas, pelo editor dos Arquivos Bakunin, Arthur Lehning.
Os textos que apresentamos agora foram redigidos por Bakunin na Itália, em 1865. Constituem, ao mesmo tempo, os estatutos e o programa de sua Sociedade (ou Fraternidade) Internacional Revolucionária. A organização deveria compor-se de uma “família internacional” e de “famílias nacionais”. Os membros eram divididos em duas categorias: os “irmãos ativos” e os “irmãos honorários”, seguindo o exemplo dos Carbonari e dos franco-maçons. Entretanto, parece que a organização projetada permaneceu por um longo período no papel. Como observou Arthur Lehning, estes programas e estatutos traduzem melhor a evolução das idéias de Bakunin que o funcionamento de uma organização. O que confirma A. Romano, quando declara que se tratava, efetivamente, de “um pacto secreto entre quatro ou cinco amigos; uma aliança fantasma” (2).
O punhado de homens que na Itália fundaram com Bakunin a Fraternidade eram todos, como Giuseppe Fanelli, antigos discípulos do republicano Giuseppe Mazzini, com o qual adquiriram o gosto e o hábito das sociedades secretas. Eles acabavam de separar-se de seu chefe de escola, julgando caducar ao mesmo tempo seu deísmo e sua concepção de uma revolução puramente “política”, logo burguesa e sem conteúdo social.
A originalidade do programa da Fraternidade não era unicamente seu conteúdo socialista e internacionalista, a afirmação do “direito de secessão”, que será retomado por Lenin, mas sua inspiração libertária. Como escreve H. E. Kaminski, “lançando as palavras de ordem da anarquia, ele apresenta-se semelhante ao Manifesto Comunista de Marx e Engels, ao qual é inferior quanto à argumentação científica, mas se iguala pelo ardor de seu entusiasmo revolucionário. É o fundamento espiritual de todo movimento anarquista” (3).
Há nas páginas que seguem uma contradição, ao menos aparente. Ora Bakunin pronuncia-se categoricamente pela “destruição dos Estados” - “O Estado”, afirma, “deve ser radicalmente demolido” etc. -; ora reintroduz a palavra “Estado” em sua argumentação – definindo-o, então, como “unidade central do país”, como um órgão federativo. E não deixa de vituperar “o Estado tutelar transcendente, centralizado”, e a denunciar “a pressão despoticamente centralizadora do Estado”. Há, pois, para Bakunin, Estado e Estado. Encontra-se a mesma ambigüidade em Proudhon, em quem Bakunin tanto se apoiou. A acusação do Estado foi o tema central do pensamento proudhoniano. Entretanto o Proudhon do último período, o do Princípio Federativo (1863), escrito apenas dois anos antes do programa de Bakunin, não hesita mais em empregar a palavra “Estado”, no mesmo sentido federalista e anticentralista com que Bakunin o utilizou.
O PROGRAMA DA FRATERNIDADE
A Sociedade Internacional Revolucionária será constituída por duas organizações diferentes: a família internacional, propriamente dita, e as famílias nacionais; estas últimas deverão ser em toda parte organizadas de modo que permaneçam sempre submissas à direção absoluta da família internacional.
A FAMÍLIA INTERNACIONAL
Composta unicamente de irmãos internacionais tanto honorários quanto ativos, será o fecho de abóbada sobre a qual repousará nosso grande empreendimento revolucionário. Seu sucesso dependerá principalmente da boa escolha dos f. i., frères internationaux (irmãos internacionais).
Além das qualidades indispensáveis para constituir o caráter revolucionário sério e honesto, tais como: boa-fé, coragem, prudência, discrição, constância, firmeza, resolução, dedicação sem limite, ausência de vaidade e ambição pessoal, inteligência prática, é preciso ainda que o candidato adote com o coração, a vontade e o espírito todos os princípios fundamentais de nosso Catecismo Revolucionário.
É preciso que seja ateu e que reivindique para o homem e para a terra tudo o que as religiões transportaram para o céu e atribuíram a seus deuses: a verdade, a liberdade, a justiça, a felicidade e a bondade. É preciso que reconheça que a moral, independente de toda teologia e de toda metafísica divina, tenha como fonte apenas a consciência coletiva dos homens.
É preciso que seja como nós o inimigo do princípio da autoridade e que deteste todas as suas aplicações e conseqüências, seja no mundo intelectual e moral, seja no mundo político, econômico e social.
É preciso que ame antes de tudo a liberdade e a justiça e que reconheça conosco que toda organização política e social, baseada na negação, ou mesmo em qualquer restrição deste princípio absoluto da liberdade, deve necessariamente levar à iniqüidade ou à desordem e que a única organização social racional, equilibrada, compatível com a dignidade e a felicidade dos homens, será a que tiver por base e por finalidade suprema a liberdade.
É preciso que compreenda que não existe liberdade sem igualdade e que a realização da maior liberdade na mais perfeita igualdade de direito e de fato, política, econômica e social ao mesmo tempo, é a justiça.
É preciso que seja federalista, como nós, tanto no interior quanto fora de seu país. Deve compreender que o advento da liberdade é incompatível com a existência dos Estados. Deve querer, por via de conseqüência, a destruição de todos os Estados e, ao mesmo tempo, a de todas as instituições religiosas, políticas e sociais: tais como Igrejas oficiais, exércitos permanentes, poderes centralizados, burocracia, governos, parlamentos unitários, universidades e bancos do Estado, bem como monopólios aristocráticos e burgueses. Para que sobre as ruínas de tudo isto possa nascer, enfim, a sociedade humana livre e que se organizará não mais como hoje, de cima para baixo e do centro para a circunferência, por via de unidade e concentração forçadas, mas partindo do indivíduo livre, da associação livre e da comuna autônoma de baixo para cima e da circunferência para o centro, por via de federação livre.
É preciso que adote, tanto na teoria quanto na prática e em toda a amplitude de suas conseqüências, este princípio: todo indivíduo, toda associação, toda comuna, toda província, toda região, toda nação tem o direito absoluto de dispor de si próprias, de associar-se ou de não associar-se, de aliar-se com quem quiserem e de romper suas alianças sem preocupar-se com os assim chamados direitos históricos, nem com as conveniências de seus vizinhos; e que esteja firmemente convencido que somente quando estiverem formadas pela força de suas atrações e necessidades inerentes, naturais e consagradas pela liberdade, estas novas federações de comunas, de províncias, de regiões e de nações se tornarão verdadeiramente fortes, fecundas e indissolúveis.
É preciso, pois, que reduza o assim chamado princípio da nacionalidade, princípio ambíguo, cheio de hipocrisias e de armadilhas, princípio de Estado histórico, ambicioso, ao princípio muito maior, muito simples e único legítimo, da liberdade: cada um, indivíduo ou corpo coletivo, sendo ou devendo ser livre, tem o direito de ser ele próprio, e ninguém tem o direito de impor-lhe seus costumes, sua vestimenta, sua língua, suas opiniões e suas leis; cada um deve ser absolutamente livre em si. Eis a que se reduz, em sua sinceridade, o direito nacional. Tudo que estiver além disto não é a confirmação de sua própria liberdade nacional, mas a negação da liberdade nacional de outrem. O candidato deve, pois, detestar, como nós, todas estas idéias estreitas, ridículas, liberticidas e, conseqüentemente, criminosas, de grandeza, de ambição e de glória nacional boas apenas para a monarquia e para a oligarquia, hoje igualmente boas para a burguesia, porque lhe são úteis para enganar os povos e amotiná-los uns contra os outros para melhor submetê-los.
É preciso que em seu coração o patriotismo, ficando daqui para frente em segundo plano, ceda lugar ao amor pela justiça e pela liberdade, e que, se necessário, se sua própria pátria separar-se destes valores, jamais hesite em tomar partido contra ela; o que não custará muito, se estiver realmente convencido, como deve estar, de que só há prosperidade e grandeza política em um país através da justiça e da liberdade.
É preciso que esteja convencido de que a prosperidade e a felicidade de seu país, longe de estar em contradição com aquelas de todos os outros países, ao contrário, necessitam para sua própria realização que exista entre os destinos de todas as nações uma solidariedade final todo-poderosa e que esta solidariedade, transformando pouco a pouco o sentimento estreito e freqüentemente injusto de patriotismo em um amor mais amplo, mais generoso e mais racional da humanidade, criará finalmente a federação universal e mundial de todas as nações.
É preciso que seja socialista na mais completa acepção do termo pelo nosso catecismo revolucionário e que, conosco, ele o reconheça como legítimo e como justo, que o proclame com toda sinceridade, e que esteja pronto a contribuir com todos os esforços para o triunfo de uma organização social, na qual todo indivíduo humano, nascendo para a vida homem ou mulher, encontre meios iguais de manutenção, de educação e de instrução na infância e na adolescência e que, mais tarde, na maioridade, encontre facilidades exteriores, isto é, políticas, econômicas e sociais iguais para criar seu próprio bem-estar, aplicando ao trabalho as diferentes forças e aptidões que a natureza lhe concedeu e que uma instrução igual para todos tenha desenvolvido.
É preciso que compreenda que, assim como a hereditariedade do mal, que é incontestável como fato natural, é por todos rejeitada pelo princípio da justiça, e pela mesma lógica justiceira, assim também deve ser rejeitada a hereditariedade do bem, pois os mortos, não existindo mais, não podem exercer influências sobre os vivos e a igualdade econômica, social e política, ponto de partida de cada um e condição absoluta da liberdade de todos, é incompatível com a propriedade hereditária e com o direito de sucessão.
É preciso que esteja convencido de que, sendo o trabalho o único produtor de riquezas sociais, aquele que tirar proveitos sem trabalhar é um explorador do trabalho do outro, um ladrão, e de que o trabalho, sendo a base fundamental da dignidade humana, único meio pelo qual o homem conquista e cria realmente sua liberdade, todos os direitos políticos e sociais deverão, daqui em diante, pertencer unicamente aos trabalhadores.
É preciso que reconheça que a terra, dom gratuito da natureza a cada um, não pode e não deve ser propriedade de ninguém. Mas que seus frutos, enquanto produto do trabalho, devem reverter unicamente para os que cultivam com suas próprias mãos.
Deve estar convencido, conosco, de que a mulher, diferente do homem, mas não inferior a ele, inteligente, trabalhadora e livre como ele, deve ser declarada, em todos os direitos políticos e sociais, semelhante a ele; de que na sociedade livre o casamento religioso e civil deve ser substituído pelo casamento livre, e que a manutenção, educação e instrução das crianças serão iguais para todos, à custa da sociedade, a qual, embora protegendo-as, seja contra a ignorância, seja contra a negligência, seja contra a má vontade dos pais, não tenha necessidade de separá-las, pois as crianças não pertencem nem à sociedade nem a seus pais, mas à sua futura liberdade, e a autoridade tutelar da sociedade não deve ter outro objetivo, nem outra missão em relação a elas que a de prepará-las para uma educação racional e viril, alicerçada unicamente na justiça, no respeito humano e no culto ao trabalho.
É preciso que seja revolucionário. Ele deve compreender que uma transformação tão completa e radical da sociedade, devendo necessariamente determinar a ruína de todos os privilégios, de todos os monopólios, de todos os poderes constituídos, não poderá naturalmente efetuar-se por meios pacíficos; que, pela mesma razão, terá contra ela todos os poderosos, todos os ricos, e por ela, em todos os países, apenas o povo, assim como esta parte inteligente e nobre da juventude que, embora pertencendo por nascimento às classes privilegiadas, por suas convicções generosas e por suas ardentes inspirações, abrace a causa do povo.
Deve compreender que esta revolução que terá por objetivo único e supremo a emancipação real, política, econômica e social do povo, ajudada, sem dúvida, e organizada em grande parte por esta juventude, só poderá, em última instância, ser realizada pelo povo; que todas as outras questões, religiosas, nacionais, políticas, tendo sido completamente esgotadas pela história, ficam reduzidas a uma só, na qual se resumem todas as outras e a única, agora, capaz de mexer com os povos: a questão social.
Deve compreender que toda revolução, seja de independência nacional, como o último levante polonês ou como o apregoa Mazzini, seja exclusivamente política, monárquica ou mesmo republicana, como o último movimento dos progressistas abortado na Espanha, que toda revolução semelhante, fazendo-se fora do povo e não podendo, em conseqüência, triunfar sem apoiar-se em uma classe privilegiada qualquer, representando seus interesses exclusivos, se fará necessariamente contra o povo e será um movimento retrógrado, funesto e contra-revolucionário.
Desprezando, portanto, e vendo como um erro fatal ou como um engano indigno qualquer movimento secundário que não tenha por objetivo imediato e direto a emancipação política e social das classes trabalhadoras, isto é, do povo, inimigo de qualquer transação, de qualquer conciliação, impossível de ora em diante, e de qualquer coalizão mentirosa com os que, por seus interesses, são inimigos naturais deste povo, não deve ver outra solução para seu país e para o mundo inteiro que a revolução social.
É preciso que compreenda, ao mesmo tempo, que esta revolução, cosmopolita por excelência, como o são igualmente a justiça e a liberdade, só poderá triunfar se, ultrapassando como um incêndio universal as barreiras estreitas das nações e fazendo desmoronar todos os Estados no seu caminho, abranger primeiramente toda a Europa, logo o mundo. É preciso que compreenda que a revolução social se tornará necessariamente uma revolução européia e mundial.
Que o mundo se separará necessariamente em dois campos, o da nova vida e o dos antigos privilégios e que, entre estes dois campos opostos, formados como no tempo das guerras religiosas, não mais por atrações nacionais, mas pela comunidade das idéias e dos interesses, deverá originar-se uma guerra de exterminação, sem piedade e sem trégua, contrária em essência a esta política hipócrita de não-intervenção, que só é útil aos moribundos e aos impotentes, no próprio interesse de sua salvação e de sua conservação, não podendo viver e triunfar sem expandir-se, não se renderá antes de ter destruído todos os Estados e todas as velhas instituições religiosas, políticas e econômicas da Europa e de todo mundo civilizado.
Que não será uma guerra de conquista, mas de emancipação, de emancipação algumas vezes forçada, é verdade, mas sempre salutar, porque terá apenas por objetivo e por resultado a destruição dos Estados e de sua base secular que, consagrados pela religião, foram sempre a fonte de toda escravidão.
Que a revolução social, uma vez fomentada em um ponto, encontrará em todos os países, embora aparentemente hostis, aliados ardentes e formidáveis nas massas populares que, logo que tenham compreendido sua ação e seu objetivo, não agirão de outra forma senão tomando seu partido; que será, portanto, necessário escolher para começo um terreno próprio onde ela só tenha que resistir ao primeiro embate da reação, depois do que, alastrando-se, não poderá deixar de triunfar sobre as fúrias de seus inimigos, federalizando e unindo em uma formidável aliança revolucionária todos os países que ela tiver atingido.
Que os elementos da revolução social se encontrem já amplamente divulgados quase em todos os países da Europa e que, para formar uma força efetiva, deva-se apenas harmonizá-los e concentrá-los; que isto deva ser obra de revolucionários sérios de todos os países organizados em associações ao mesmo tempo públicas e secretas com o duplo objetivo de ampliar o campo revolucionário e de preparar, ao mesmo tempo, um movimento idêntico e simultâneo em todos os países onde o movimento for viável, pelo trabalho secreto dos revolucionários mais inteligentes destes países.
Não é suficiente que nosso candidato compreenda tudo isso. É preciso que tenha em si a paixão revolucionária; que ame a liberdade e a justiça a ponto de querer seriamente contribuir com seus esforços para seu triunfo, a ponto de entender como um dever o sacrifício de seu repouso, de seu bem-estar, de sua vaidade, de sua ambição pessoal e até mesmo de seus interesses particulares.
É preciso que esteja convencido de que a melhor maneira de servi-los é dividir nossos trabalhos e que saiba que, tomando lugar entre nós, contrairá em relação a nós os mesmos compromissos solenes que nós contrairemos em relação a ele. É preciso que tenha tomado conhecimento de nosso catecismo revolucionário, de todas as nossas regras e leis e que jure observá-las sempre com fidelidade escrupulosa.
Deve compreender que uma associação, tendo uma finalidade revolucionária, deve necessariamente formar-se como sociedade secreta, e que toda sociedade secreta, no interesse da causa a que serve e da eficácia de sua ação, assim como no interesse da segurança de cada um de seus membros, deve submeter-se a uma forte disciplina, que é apenas o resumo e o resultado puro do engajamento recíproco dos membros uns em relação aos outros e que, conseqüentemente, submeter-se a uma condição de honra é um dever de cada um.
Qualquer que seja, portanto, a diferença de capacidade entre os irmãos internacionais, teremos apenas um senhor: nosso princípio; uma só vontade: nossas leis para cuja criação todos contribuímos, ou às quais consagramos por nossa livre vontade. Embora nos inclinemos com respeito diante dos serviços passados de um homem, embora apreciando a grande utilidade que nos trariam uns, com sua riqueza, outros, com sua ciência, e ainda outros com suas elevadas posições e influências públicas, literárias, políticas ou sociais, longe de procurá-los, por estes motivos, veríamos nisso uma razão de desconfiança, pois todos estes homens poderiam trazer para o nosso meio hábitos, pretensões de autoridade, de herança de seu passado, e nós não podemos aceitar nem estas pretensões, nem esta autoridade nem esta herança, olhando sempre para frente, jamais para trás, e só reconhecendo o mérito e direito naquele que servir mais ativa e resolutamente nossa associação.
O candidato compreenderá que só se entra na associação para servi-la e que, portanto, ela terá direito de esperar de cada um de seus membros uma utilidade positiva qualquer e que a ausência dessa utilidade, suficientemente constatada e provada, acarretará sua exclusão.
Entrando em nosso meio, o novo irmão deverá solenemente considerar seu dever em relação a esta sociedade como seu primeiro dever, colocando em segundo lugar seu dever em relação a cada membro da sociedade, seu irmão. Estes dois deveres deverão dominar, de ora em diante, senão seu coração, ao menos sua vontade, sobre todos os outros.
PONTOS ESSENCIAIS DOS CATECISMOS NACIONAIS
Os catecismos nacionais dos diferentes países poderão variar sobre todos os pontos secundários.
Mas há pontos essenciais e fundamentais que deverão ser igualmente obrigatórios para as organizações nacionais de todos os países e que deverão formar, por conseguinte, a base comum de todos os catecismos nacionais. Estes pontos são os seguintes:
A impossibilidade de sucesso de uma revolução nacional isolada e a conseqüente necessidade de uma aliança e de uma federação revolucionária entre todos os povos que querem a liberdade.
A impossibilidade de tal federação ou aliança sem um programa comum que satisfaça igualmente os direitos e as legítimas necessidades de todas as nações e que, sem considerar os assim chamados direitos históricos, nem o que se chama a necessidade ou salvação dos Estados, nem as glórias nacionais, nem qualquer outra pretensão vaidosa ou ambiciosa de prepotência ou força, coisas que um povo deve saber rejeitar se quiser ser verdadeiramente livre, tendo somente, por fundamento e por princípio, a liberdade igual para todos e a justiça.
Incompatibilidade de um determinado programa, incompatibilidade da liberdade, da igualdade, da justiça, do governo barato, do bem-estar e da emancipação real das classes trabalhadoras com a existência dos Estados centralistas, militares e burocráticos. Necessidade absoluta da destruição de todos os Estados atualmente existentes na Europa, com exceção da Suíça, e da demolição radical de todas as instituições políticas, militares, administrativas, judiciárias e financeiras que constituem atualmente a vida e a força dos Estados.
Abolição de qualquer relação e de qualquer igreja do Estado ou mantida pelo Estado, confisco de todos os bens mobiliários e imobiliários das igrejas em benefício das regiões administrativas e das comunas, dispondo que as religiões se tornaram livres e que, portanto, só dizem respeito à consciência individual de cada um, devendo ser mantidas unicamente por seus fiéis.
Necessidade absoluta de cada país que quiser fazer parte desta federação livre de povos de substituir a organização centralista, burocrática e militar por uma organização federal, baseada na liberdade absoluta e na autonomia das regiões, das províncias, dos municípios, das associações e dos indivíduos com funcionários eletivos e responsáveis diante do povo, e com o armamento nacional, organização que não se formará, como atualmente, de cima para baixo, mas de baixo para cima e da circunferência para o centro, pelo princípio de federação livre, partindo dos indivíduos livres que formarão as associações, as comunas autônomas; das comunas autônomas que formarão as províncias autônomas; das províncias autônomas que formarão as regiões e das regiões que, federalizando-se livremente entre si, formarão os países que, por sua vez, formarão cedo ou tarde a federação universal e mundial.
Necessidade de reconhecer o direito absoluto de secessão para todos os países, todas as regiões, todas as províncias, todas as comunas, todas as associações, bem como para todos os indivíduos com a convicção de que, uma vez reconhecido o direito de secessão, as secessões de fato se tornarão impossíveis, porque as unidades nacionais deixando de ser o produto da violência e da mentira histórica se formarão livremente pela necessidade e pelas afinidades inerentes a cada uma de suas partes.
Impossibilidade da liberdade política sem igualdade política. Impossibilidade desta, sem igualdade econômica e social.
Necessidade de uma revolução social.
A extensão e o alcance desta revolução apresentarão maiores e menores diferenças em cada país, de acordo com a situação política e social e o grau de desenvolvimento revolucionário existente em cada um. Entretanto, em todos os países, será preciso proclamar certos princípios que somente agora serão capazes de interessar e subverter as massas populares independentemente de seu estágio de civilização. Estes princípios são os seguintes:
A terra pertence a todo mundo. Mas seu aproveitamento pertencerá apenas aos que a cultivarem com suas próprias mãos. Abolição da renda da terra.
Sendo todas as riquezas sociais produzidas pelo trabalho, quem delas se aproveitar sem trabalho será um ladrão.
Os direitos políticos pertencerão apenas às pessoas honestas, pertencerão apenas aos trabalhadores.
Sem nenhuma espoliação, mas pelos esforços e forças econômicas das associações operárias, o capital e os instrumentos de trabalho se tornarão propriedade dos que os utilizarem para a produção de riquezas pelo seu próprio trabalho.
Cada homem deve ser o filho de suas obras, e só haverá justiça quando a organização da sociedade for tal que cada um ao nascer encontre os mesmos meios de manutenção, de educação, de instrução e, mais tarde, as mesmas facilidades externas de criar seu próprio bem-estar através do trabalho.
Em cada país poderá fazer-se a emancipação do casamento da tutela da sociedade e igualar os direitos das mulheres aos dos homens.
Nenhuma revolução será vitoriosa em nenhum país, atualmente, se não for uma revolução política e social. Toda revolução exclusivamente política, seja nacional e dirigida apenas contra a dominação estrangeira, seja constitucional interna, mesmo que tenha a república como objetivo, não tendo, conseqüentemente, por finalidade, a emancipação imediata e real, política e econômica do povo, será uma revolução ilusória, mentirosa, impossível, funesta, retrógrada e contra-revolucionária.
A revolução não deve ser feita unicamente para o povo, ela deve fazer-se pelo povo, e não poderá jamais ser vitoriosa se não captar ao mesmo tempo todas as massas campesinas e urbanas.
Assim, centralizada pela idéia e pela identidade de um programa comum a todos os países; centralizada por uma organização secreta que unirá não apenas todas as partes de um país, mas muitos, senão todos os países, em um único plano de ação; centralizada ainda pela simultaneidade dos movimentos revolucionários no meio rural e urbano, a revolução deverá adquirir o caráter local no sentido de que não deverá começar por uma grande concentração de todas as forças revolucionárias de um país em um único ponto; nem adquirir jamais o caráter romanesco e burguês de uma expedição quase revolucionária, mas, surgindo ao mesmo tempo em todos os pontos de um país, terá o caráter de uma verdadeira revolução popular na qual tomarão igualmente parte mulheres, velhos, crianças e que, por isso mesmo, será invencível.
Esta revolução poderá ser sangrenta e vingativa nos primeiros dias, durante os quais se fará justiça popular. Esta característica, contudo, não permanecerá por muito tempo e nunca se tornará um terrorismo sistemático e frio. Ela se oporá às posições e às coisas, bem mais que aos homens, certa de que as coisas e as posições privilegiadas e anti-sociais, muito mais fortes do que os indivíduos, constituem o caráter e a força de seus inimigos.
Começará, pois, por destruir, em toda parte, todas as instituições e todos os estabelecimentos, igrejas, parlamentos, tribunais, administrações, exércitos, bancos, universidades etc., que constituem a própria existência do Estado. O Estado deve ser radicalmente demolido e declarado em bancarrota, não apenas do ponto de vista financeiro, como também dos pontos de vista político, burocrático, militar, judiciário e policial. Tendo entrado em bancarrota, tendo mesmo cessado de existir, incapaz de pagar suas dívidas, o Estado não poderá mais forçar ninguém a pagar as suas, ficando esta preocupação a cargo da consciência de cada um. Ao mesmo tempo, nas comunas e nas cidades, confiscar-se-á, em proveito da revolução, tudo que pertencera ao Estado; serão também confiscados os bens de todos os reacionários e queimados todos os certificados seja de processos, de propriedades, de dívidas, considerando-se nula toda papelada civil, criminal, judiciária ou oficial que não tenha sido possível destruir, ficando cada um no status quo da posse. Assim será feita a revolução social, e os inimigos da revolução, uma vez privados dos meios de prejudicá-la, não precisarão mais ser alvo de medidas sangrentas e severas que poderiam cedo ou tarde provocar violentas reações.
Localizando-se em toda parte, a revolução adquirirá necessariamente um caráter federalista. Logo após a derrubada do governo estabelecido, as comunas deverão reorganizar-se revolucionariamente, escolher chefes, estabelecer uma administração e tribunais revolucionários, edificados sobre o sufrágio universal e a responsabilidade real de todos os funcionários diante do povo. Para defender a revolução, seus voluntários formarão uma milícia municipal. Entretanto, permanecendo isoladas, as comunas não poderão defender-se. Será, pois, necessário propagar a revolução fora delas, sublevar todas as comunas vizinhas e, à medida que se sublevem, organizá-las em federações para a defesa comum. Formarão necessariamente entre si um pacto federal baseado, ao mesmo tempo, na solidariedade de todas e na autonomia de cada uma. Este pacto constituirá a carta provincial. Para o governo nos negócios comuns será necessário um governo [iv] e uma assembléia ou parlamento provinciais. As mesmas necessidades revolucionárias levam as províncias autônomas a se federalizarem em regiões, as regiões em federações nacionais, as nações em federações internacionais. Assim, a ordem e a unidade, destruídas enquanto produtos da violência e do despotismo, renascerão do próprio seio da liberdade.
Necessidade de conspiração e de uma forte organização secreta, convergindo para um centro internacional, para preparar esta revolução.
CATECISMO REVOLUCIONÁRIO
PRINCÍPIOS GERAIS (5)
Negação da existência de um Deus real, extramundial, pessoal e, portanto, de qualquer revelação e de qualquer intervenção divina nos negócios do mundo e da humanidade. Abolição do serviço e do culto da divindade.
Substituindo o culto de Deus pelo respeito e o amor da humanidade, declaramos a razão humana como critério único da verdade; a consciência humana como base da justiça; a liberdade individual e coletiva como criadora única da ordem da humanidade.
A liberdade é o direito absoluto de todo homem ou mulher maiores de só procurar na própria consciência e na própria razão as sanções para seus atos, de determiná-los apenas por sua própria vontade e de, em conseqüência, serem responsáveis primeiramente perante si mesmos, depois, perante a sociedade da qual fazem parte, com a condição de que consintam livremente dela fazerem parte.
Não é verdadeiro que a liberdade de um homem seja limitada pela de todos os outros. O homem só é verdadeiramente livre na medida em que sua liberdade, livremente reconhecida e representada como por um espelho pela consciência livre de todos os outros, encontre a confirmação de sua extensão até o infinito na sua liberdade. O homem só é verdadeiramente livre entre outros homens igualmente livres, e como ele só é livre na condição de ser humano, a escravidão de um só homem sobre a terra, sendo uma ofensa contra o próprio princípio da humanidade, é uma negação da liberdade de todos.
A liberdade de cada um só se realiza, pois, com a igualdade de todos. A realização da liberdade na igualdade de direito e de fato é a justiça.
Existe apenas um dogma, uma única lei, uma única base moral para os homens, é a liberdade. Respeitar a liberdade do próximo é um dever; amá-lo, ajudá-lo, servi-lo é uma virtude.
Exclusão absoluta de qualquer princípio de autoridade e de razão de Estado – a sociedade humana, tendo sido primitivamente um fato natural, anterior à liberdade e ao despertar do pensamento humano, transformada mais tarde em fato religioso, organizada de acordo com o princípio da autoridade divina e humana, deve reconstituir-se, hoje, com base na liberdade, que deve ser de ora em diante o único princípio constitutivo de sua organização política e econômica. A ordem na sociedade deve ser resultante do maior desenvolvimento possível de todas as liberdades locais, coletivas e individuais.
A organização política e econômica da vida social deve partir, conseqüentemente, não mais como atualmente de cima para baixo e do centro para a circunferência, por princípio de unidade e de centralização forçadas, mas de baixo para cima e da circunferência para o centro, por princípio de associação e de federação livres.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
É impossível determinar uma norma concreta, universal e obrigatória para o desenvolvimento interior e para a organização política das nações; ficando a existência de cada uma subordinada a uma série de condições históricas, geográficas e econômicas diferentes e que nunca permitirão estabelecer um modelo de organização, igualmente bom e aceitável para todas. Tal empreendimento, completamente desprovido de utilidade prática, traria expectativas em relação à riqueza e à espontaneidade da vida que se caracteriza pela diversidade infinita e, o que é mais importante, seria contrário ao próprio princípio da liberdade. Entretanto, há condições essenciais, absolutas, fora das quais a realização prática e a organização da liberdade serão sempre impossíveis.
Essas condições são as seguintes:
A abolição radical de qualquer religião oficial e de qualquer igreja privilegiada ou apenas protegida, paga e mantida pelo Estado. Liberdade absoluta de consciência e de propaganda para cada um, com a faculdade ilimitada de construir tantos templos quantos quiserem, aos seus deuses quaisquer que sejam, desde que paguem e mantenham os padres de sua religião.
As igrejas, consideradas como corporações religiosas, não gozarão de nenhum dos direitos políticos que serão atribuídos às associações produtivas, não poderão nem herdar, nem possuir bens em comum, exceto suas casas ou estabelecimentos religiosos, não podendo nunca se ocupar da educação de seus filhos, já que o único objetivo de sua existência é a negação sistemática da moral, da liberdade e a feitiçaria lucrativa.
Abolição da monarquia, república.
Abolição das classes, das categorias, dos privilégios e de todas as espécies de distinções. Igualdade absoluta de direitos políticos para todos, homens e mulheres; sufrágio universal.
Abolição, dissolução e bancarrota moral, política, judiciária, burocrática e financeira do Estado tutelar, transcendente, centralista, substituto e alter ego da Igreja, e, como tal, causa permanente de empobrecimento, de embrutecimento e de submissão dos povos. Como conseqüência natural: a abolição de todas as universidades do Estado, devendo o cuidado da instrução pública pertencer exclusivamente às comunas e às associações livres; abolição da magistratura do Estado, devendo todos os juízes ser eleitos pelo povo; abolição dos códigos criminais e civis atualmente em vigor na Europa porque todos, igualmente inspirados pelo culto de Deus, do Estado, da família religiosa ou politicamente consagrada e da propriedade, são contrários ao direito humano, e porque o código da liberdade só poderia ser criado para a liberdade. Abolição dos bancos e de todas as outras instituições de crédito do Estado. Abolição de toda administração central, de toda burocracia, dos exércitos permanentes e da polícia do Estado.
Eleição imediata e direta de todos os funcionários públicos, judiciários e civis, assim como dos representantes ou conselheiros nacionais, provinciais e municipais, pelo povo, isto é, pelo sufrágio universal de todos os indivíduos, homens e mulheres maiores.
Reorganização interna de cada país tomando-se como ponto de partida e como embasamento a liberdade absoluta dos indivíduos, das associações produtivas e dos municípios.
DIREITOS INDIVIDUAIS
Direito de cada um, desde o nascimento até a maioridade, de ser inteiramente mantido, fiscalizado, protegido, educado, instruído em todas as escolas públicas primárias, secundárias, superiores, industriais, artísticas e científicas à custa da sociedade.
Direito igual para todos de ser aconselhado e sustentado por esta última, na medida do possível, no começo da carreira que cada indivíduo maior escolherá livremente, após o que a sociedade, tendo-o declarado completamente livre, não exercerá mais sobre ele nenhuma vigilância nem autoridade de nenhuma espécie e, declinando em relação a ele de qualquer responsabilidade, lhe deverá apenas respeito e, eventualmente, a proteção de sua liberdade.
A liberdade de cada indivíduo maior, homem ou mulher, deve ser absoluta e completa, liberdade de ir e vir, de professar elevadamente todas as opiniões possíveis, de ser preguiçoso ou ativo, imoral ou moral, em suma, de dispor de sua própria pessoa e de seus bens como melhor lhe aprouver, sem dar satisfação a ninguém; liberdade de viver, seja honestamente pelo seu trabalho, seja explorando vergonhosamente a caridade ou a confiança privada, desde que esta caridade e esta confiança sejam voluntárias e só lhe sejam proporcionadas por indivíduos maiores.
Liberdade ilimitada de toda espécie de propaganda através do discurso, da imprensa, em reuniões públicas e privadas, tendo esta liberdade por limite apenas a força natural e salutar da opinião pública. Liberdade absoluta de associações, sem isentar aquelas que por sua finalidade parecerem imorais e mesmo aquelas que tiverem por objetivo a corrupção e a destruição (6) da liberdade individual e pública.
A liberdade só pode e só deve defender-se pela liberdade, sendo um perigoso contra-senso querer atacá-la sob o pretexto de protegê-la; e, como a moral não possui outra fonte, outro estímulo, outra causa, outro objetivo além da liberdade e como ela própria não é nada mais do que a liberdade, todas as restrições que se lhe impuseram com a finalidade de proteger a moral, sempre agiram em seu detrimento. A psicologia, a estatística e toda a história nos provam que a imoralidade individual e social sempre foi a conseqüência necessária de uma má educação pública e privada, da ausência e da degradação da opinião pública, que só existe, se desenvolve e se moraliza pela liberdade; e sobretudo a conseqüência de uma organização viciosa da sociedade. A experiência nos ensina, diz o ilustre estatístico Quetelet (7), que é sempre a sociedade que prepara os crimes e que os malfeitores são apenas os instrumentos fatais que os cometem. É, pois, inútil opor à imoralidade social os rigores de uma legislação que invadiria a liberdade individual.
A experiência nos ensina, ao contrário, que o sistema repressivo e autoritário, longe de ter sustentado os abusos, sempre os propiciou de modo mais amplo e profundo nos países atingidos e que a moral pública e privada sempre desceu e subiu à medida que a liberdade dos indivíduos diminuía ou aumentava. E que, por via de conseqüência, para moralizar a sociedade atual, devemos começar, antes de tudo, por destruir inteiramente toda esta organização política e social baseada na desigualdade, no privilégio, na autoridade divina e no desprezo da humanidade, e, depois de tê-la reconstruído sobre as bases da mais completa igualdade, da justiça, do trabalho e de uma educação racional unicamente inspirada no respeito humano, devemos dar-lhe a opinião pública por guardiã e, por alma, a liberdade mais absoluta.
Entretanto a sociedade não deve permanecer completamente desarmada contra os indivíduos parasitas, malfeitores e nocivos. Devendo ser o trabalho a base de todos os direitos políticos, a sociedade como uma província ou nação, cada qual na sua respectiva circunscrição, poderá privar (destes direitos) todos os indivíduos maiores que, não sendo nem inválidos, nem doentes, nem velhos, viverem à custa da caridade pública ou privada, com a obrigação de lhes restituir estes direitos assim que começarem a viver do seu próprio trabalho.
Sendo a liberdade de cada indivíduo humano inalienável, a sociedade não sofrerá se um indivíduo qualquer alienar juridicamente sua liberdade ou se a engajar, por contrato, a outro indivíduo de outra maneira que não seja a mais inteira igualdade e reciprocidade. Ele não poderá, contudo, impedir que um homem ou uma mulher, desprovidos de todo sentimento de dignidade pessoal, se coloquem por contrato em relação a um outro indivíduo, numa relação de servidão voluntária, mas os considerará como indivíduos que vivem da caridade privada e, portanto, destituídos do gozo dos direitos políticos, durante a duração desta servidão.
Todas as pessoas que tiverem perdido seus direitos políticos serão também privadas do direito de educar e conservar seus filhos. Em caso de infidelidade a um compromisso livremente contratado ou em caso de ataque aberto ou provado contra a propriedade, contra a pessoa e sobretudo contra a liberdade de um cidadão, seja autóctone ou estrangeiro, a sociedade infligirá ao delinqüente autóctone ou estrangeiro as penas determinadas por suas leis.
Abolição absoluta de todas as penas degradantes e cruéis, das punições corporais e da pena de morte, embora consagrada e executada pela lei. Abolição de todas as penas por tempo indeterminado ou muito longo e que não deixem nenhuma esperança, nenhuma possibilidade real de reabilitação, devendo o crime ser considerado como uma doença e a punição antes como uma cura do que como uma vingança da sociedade.
Todo indivíduo condenado pelas leis de uma sociedade qualquer, comuna, província ou nação conservará o direito de não se submeter à pena que lhe tiver sido imposta, declarando que não quer mais fazer parte desta sociedade. Mas neste caso a sociedade terá o direito de expulsá-lo de seu seio e de declará-lo fora de sua segurança e de sua proteção.
Voltando, assim, para a lei natural do olho por olho, dente por dente, ao menos no espaço ocupado por esta sociedade, o refratário poderá ser assaltado, maltratado e até assassinado sem que a sociedade se envolva. Todos poderão desfazer-se dele como de um animal selvagem, contudo jamais poderão submetê-lo nem utilizá-lo como escravo.
DIREITOS DE ASSOCIAÇÕES
As associações cooperativas operárias são um fato novo na história; assistimos hoje ao seu nascimento, e podemos apenas pressentir, mas não ainda determinar, o imenso desenvolvimento que, sem nenhuma dúvida, adquirirão e as novas condições políticas e sociais que surgirão no futuro. É possível e até provável que, ultrapassando um dia os limites das comunas e mesmo dos Estados atuais, dêem uma nova constituição à sociedade humana como um todo, dividida não mais em nações, mas em grupos individuais, e organizadas de acordo com as necessidades não da política, mas da produção. Isto diz respeito ao futuro.
Quanto a nós, só podemos colocar hoje este princípio absoluto: qualquer que seja seu objetivo, todas as associações, como todos os indivíduos, devem gozar de uma liberdade absoluta. Nem a sociedade, nem nenhuma parte da sociedade: comuna, província ou nação, tem o direito de impedir os indivíduos livres de se associarem livremente em um objetivo qualquer: religioso, político, científico, industrial, artístico ou até corrupto e de exploração de inocentes e de tolos, desde que não sejam menores.
Combater os charlatães e as associações perniciosas é tarefa que diz respeito unicamente à opinião pública. A sociedade, contudo, tem o dever e o direito de recusar a garantia social, o reconhecimento jurídico e os direitos políticos e cívicos a toda associação, como corpo coletivo, que, por seu objetivo, seus regulamentos, seus estatutos, for contrária aos princípios fundamentais de sua constituição e cujos membros não estejam em pé de igualdade e de reciprocidade perfeitas, sem contudo poder privar os próprios membros unicamente pelo fato de participarem de associações não regularizadas pela garantia social.
A diferença entre as associações regulares e irregulares será, pois, a seguinte: as associações juridicamente reconhecidas como entidades coletivas terão, por esta razão, o direito de perseguir perante a justiça social todos os indivíduos, membros ou estranhos, assim como todas as outras associações regulares, que tiverem faltado com seu compromisso em relação a elas. As associações juridicamente não reconhecidas não terão este direito enquanto entidades coletivas; também não poderão estar submetidas a nenhuma responsabilidade jurídica, devendo todos os seus empreendimentos ser considerados nulos aos olhos de uma sociedade que não sancionou sua existência coletiva, o que, entretanto, não poderá liberar nenhum de seus membros dos compromissos que tiverem assumido individualmente.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA NACIONAL
A divisão de um país em regiões, províncias, distritos e comunas ou em departamentos e comunas, como na França, dependerá naturalmente dos hábitos históricos, das necessidades atuais e da natureza peculiar de cada país. Só pode haver dois princípios comuns e obrigatórios para cada país que quiser organizar seriamente a liberdade. O primeiro: toda organização deve proceder de baixo para cima, da comuna para a unidade central do país, o Estado, por via da federação. A segunda: deve haver entre a comuna e o Estado ao menos um intermediário autônomo: o departamento, a região ou a província. Sem o que, a comuna, tomada na acepção restrita do termo, seria demasiado frágil para resistir à pressão uniforme e despoticamente centralizadora do Estado, o que levaria cada país ao regime despótico da França monárquica, como tivemos por duas vezes o exemplo na França, tendo tido o despótico sempre sua origem muito mais na organização centralizadora do Estado do que nas disposições naturalmente sempre despóticas dos reis.
A base de toda organização política de um país deve ser a comuna, absolutamente autônoma, representada sempre pela maioria dos votos de todos os habitantes, homens e mulheres em igualdade de condições, maiores. Nenhum poder tem o direito de imiscuir-se em sua vida, em seus atos e em sua administração interna. Ela nomeia e destitui por eleição todos os funcionários: administradores e juízes, e administra sem controle os bens comunais e suas finanças. Cada comuna terá o direito incontestável de criar, independentemente de qualquer sanção superior, sua própria legislação e sua própria constituição. Entretanto, para entrar na federação provincial e para fazer parte integrante de uma província, deverá adequar sua carta (constituição) particular aos princípios fundamentais da constituição provincial e fazê-la sancionar pelo parlamento desta província. Deverá submeter-se também aos julgamentos do tribunal provincial e às medidas que, depois de terem sido sancionadas pelo voto do parlamento provincial, lhe forem ordenadas pelo governo da província. De outra forma, ela será excluída da solidariedade, da garantia e comunidade, permanecendo fora da lei provincial.
A província não deve ser nada mais do que uma federação livre de comunas autônomas. O parlamento provincial, compreendendo, seja uma única câmara composta de representantes de todas as comunas, seja duas câmaras, das quais uma compreenderia os representantes das comunas, a outra os representantes da população provincial inteira, independentemente das comunas, sem ingerir-se na administração interna das comunas, deverá estabelecer os princípios fundamentais que constituirão a carta provincial e serão obrigatórios (sic) para todas as comunas que quiserem participar do parlamento provincial (8).
Tomando os princípios deste catecismo como base, o parlamento codificará a legislação provincial em relação tanto aos deveres quanto aos direitos respectivos dos indivíduos, das associações e das comunas, quanto às penas que deverão ser impostas a cada um em caso de infração às leis por ele estabelecidas, deixando contudo às legislações comunais o direito de divergir da legislação provincial sobre pontos secundários, jamais nos fundamentais, cedendo à unidade real, viva, não à uniformidade, confiando, para formar uma unidade ainda mais íntima, na experiência, no tempo e no desenvolvimento da vida em comum, nas próprias convicções e necessidades das comunas, na liberdade, em suma, jamais na pressão nem na violência do poder provincial, pois a própria verdade e a justiça, violentamente impostas, tornam-se iniqüidade e mentira.
O parlamento provincial estabelecerá a carta constitutiva da federação das comunas, seus direitos e seus respectivos deveres, bem como seus direitos e deveres em relação ao parlamento, ao tribunal e ao governo provinciais. Votará todas as leis, disposições e medidas que serão ditadas, seja pelas necessidades da província inteira, seja pelas resoluções do parlamento nacional, sem jamais perder de vista a autonomia das comunas. Sem jamais se ingerir na administração interna das comunas, estabelecerá a parte de cada um, seja nos impostos nacionais, seja nos impostos provinciais. Esta parte será repartida na própria comuna por todos os habitantes válidos e maiores. Controlará, enfim, todos os atos, sancionará ou rejeitará todas as proposições do governo provincial, que será naturalmente sempre eletivo. O tribunal provincial, igualmente eletivo, julgará sem apelação todas as causas entre indivíduos e comunas, entre associações e comunas, entre comunas e comunas, e, em primeira instância, todas as causas entre a comuna e o governo ou o parlamento da província.
A nação deve ser apenas uma federação de províncias autônomas. O parlamento nacional, compreendendo, seja uma única câmara composta dos representantes de todas as províncias, seja duas câmaras, uma das quais compreenderia os representantes das províncias, a outra os representantes da população nacional inteira, independentemente das províncias, o parlamento nacional, sem ingerir-se de nenhum modo na administração e na vida política interna das províncias, deverá estabelecer os princípios fundamentais que constarão na constituição nacional e que serão obrigatórios para todas as províncias que quiserem participar do pacto nacional.
O parlamento nacional estabelecerá o código nacional, deixando aos códigos provinciais o direito de divergir nos pontos secundários, jamais na base. Estabelecerá a carta constitutiva da federação das províncias, votará todas as leis, disposições e medidas determinadas pelas necessidades da nação inteira, estabelecerá os impostos nacionais e os repartirá entre as províncias, deixando a estas o cuidado de reparti-los entre as respectivas comunas, controlará enfim todos os atos, adotará ou rejeitará as proposições do governo executivo nacional que será sempre eletivo e por prazo determinado, formará as alianças nacionais, fará a paz e a guerra, e só ele terá o direito de ordenar por um tempo sempre determinado a formação de um exército nacional. O governo será apenas o executor de suas vontades.
O tribunal nacional julgará sem apelação as causas dos indivíduos, das associações, das comunas entre si e da província, assim como todos os debates entre as províncias. Nas causas entre a província e o Estado, que serão igualmente submetidas a seu julgamento, as províncias poderão apelar ao tribunal internacional, quando este for estabelecido.
A FEDERAÇÃO INTERNACIONAL
A Federação Internacional compreenderá todas as nações que se tiverem unido sobre as bases acima e abaixo desenvolvidas. É provável e desejável que, quando a hora da grande revolução soar novamente, todas as nações que seguirem a luz da emancipação popular dar-se-ão a mão para uma aliança constante e íntima contra a coalizão dos países que se colocarão sob as ordens da reação. Esta aliança deverá formar uma federação primeiramente restrita, gérmen da federação universal dos povos que, no futuro, deverá abranger toda Terra. A federação internacional dos povos revolucionários com um parlamento, um tribunal e um comitê diretor internacionais, será naturalmente baseada nos próprios princípios da revolução. Aplicados à política internacional esses princípios são:
Cada país, cada nação, cada povo, pequeno ou grande, fraco ou forte, cada região, cada província, cada comuna tem o direito absoluto de dispor de sua sorte, de determinar sua própria existência, de escolher suas alianças, de unir-se e de separar-se, de acordo com suas vontades e necessidades, sem nenhuma vinculação com os assim chamados direitos históricos ou as necessidades políticas, comerciais ou estratégicas dos Estados. A união das partes em um todo, para ser verdadeira, fecunda e forte, deve ser absolutamente livre; deve resultar unicamente das necessidades locais internas e da atração mútua das partes, atração e necessidades das quais as partes serão os únicos juízes.
Abolição absoluta do assim chamado direito histórico e do horrível direito de conquista como contrários ao princípio da liberdade.
Negação absoluta da política de crescimento, de glória e de fortalecimento do Estado, política que, fazendo de cada país uma fortaleza que exclui de seu meio todo o resto da humanidade, forçando-o por assim dizer a considerar-se como a humanidade inteira, a bastar-se a si mesmo, a organizar em si mesmo um mundo independente de qualquer solidariedade humana e a colocar sua prosperidade e sua glória no mal que fará a outras nações (9). Um país conquistador é necessariamente um país internamente escravo.
A glória e a grandeza de uma nação consistem unicamente no desenvolvimento de sua humanidade. Sua força, sua unidade, a potência de sua vitalidade interior se medem unicamente pelo grau de sua liberdade. Tomando a liberdade por base, chega-se necessariamente à união; mas da unidade dificilmente, ou jamais, se chega à liberdade. E, se chegarmos, será somente destruindo uma unidade que foi feita fora da liberdade.
A prosperidade e a liberdade das nações como dos indivíduos são absolutamente solidárias, e isso leva, conseqüentemente, à liberdade absoluta de comércio, de transação e de comunicação entre todos os países federados, à abolição das fronteiras, dos passaportes e das alfândegas. Cada cidadão de um país federado deve gozar de todos os direitos cívicos, devendo poder adquirir facilmente o título de cidadão e todos os direitos políticos em todos os outros países pertencentes à mesma federação.
Na liberdade de todos, indivíduos e entidades coletivas sendo solidários, nenhuma nação, província, comuna ou associação seria oprimida, sem que todas as outras o fossem e se sentissem ameaçadas na sua liberdade. Cada um por todos e todos por um, esta deve ser a regra sagrada e fundamental da federação internacional.
Nenhum dos países federados poderá conservar exército permanente, nem instituições que separem o soldado do cidadão. Causas de ruína, de corrupção, de brutalidade e de tirania internas, os exércitos permanentes e a profissão de soldado são uma ameaça contra a prosperidade e a independência de todos os outros países. Cada cidadão válido deve, se necessário, tornar-se soldado para a defesa dos lares ou da liberdade. O armamento material deve ser organizado em cada país por comuna e por província, mais ou menos como nos Estados Unidos da América e na Suíça.
O parlamento internacional composto seja de uma única câmara (de representantes de todas as nações) ou de duas câmaras (compreendendo, uma, estes mesmos representantes, outra, os representantes diretos de toda a população compreendida pela federação internacional, sem distinção de nacionalidade) – o parlamento federal, assim composto, estabelecerá o pacto internacional e a legislação federal que terá unicamente a missão de desenvolver e de modificar segundo as necessidades da época.
O tribunal internacional terá como única missão julgar em última instância os Estados e suas respectivas províncias. Quanto aos debates que poderão surgir entre dois Estados federados, só poderão ser julgados em primeira e em última instância pelo parlamento internacional que decidirá, ainda sem apelação, sobre todas as questões de política comum e de guerra, em nome da federação revolucionária global e contra a coalizão reacionária.
Nenhum Estado federado poderá jamais promover guerra contra um outro Estado federado. Tendo o parlamento internacional pronunciado seu julgamento, o Estado condenado deve submeter-se. Caso contrário, todos os outros Estados da federação deverão interromper suas comunicações com ele, expulsá-lo da lei federal e, em caso de ataque, armar-se solidariamente contra ele.
Todos os Estados participantes da federação revolucionária deverão tomar parte ativa em qualquer guerra que um deles fizer a um Estado não federado. Cada país federado, antes de declará-la, deve prevenir o parlamento internacional e só declará-la se este achar que há razões suficientes para a guerra. Em caso afirmativo, o diretório executivo federado assumirá a causa do Estado ofendido e pedirá ao Estado agressor estrangeiro, em nome de toda a federação revolucionária, pronta reparação.
Se, ao contrário, o parlamento julgar que não houve agressão, nem ofensa real, aconselhará ao Estado queixoso a não iniciar a guerra, advertindo-o que, se começar, o fará sozinho.
É preciso esperar que, com o tempo, os Estados federados, renunciando ao luxo ruinoso de representações particulares, se contentarão com uma representação diplomática federal.
A federação internacional revolucionária restrita estará sempre aberta aos povos que dela quiserem participar mais tarde, sobre a base dos princípios e da solidariedade militante e ativa da revolução acima e abaixo expostos, mas sem jamais fazer a menor concessão de princípios a nenhum. Logo, só poderão ser recebidos na federação os povos que tiverem aceitado todos os princípios recapitulados no presente catecismo.
ORGANIZAÇÃO SOCIAL
Sem igualdade política não há liberdade política real, mas a igualdade política só se tornará possível quando houver igualdade econômica e social.
A igualdade não implica o nivelamento das diferenças individuais, nem a identidade intelectual, moral e física dos indivíduos. Esta diversidade das capacidades e das forças, estas diferenças de raça, de nação, de sexo, de idade e de indivíduos, longe de ser um mal social, constitui, ao contrário, a riqueza da humanidade. A igualdade econômica e social não implica também o nivelamento das fortunas individuais, enquanto produtos da capacidade, da energia produtiva e da economia de cada um.
A igualdade e a justiça reclamam unicamente: uma tal organização da sociedade que todo indivíduo humano encontre ao nascer, embora isto dependa não da natureza mas da sociedade, meios iguais para o desenvolvimento de sua infância e de sua adolescência até a idade de sua virilidade. Meios iguais primeiro para sua educação e sua instrução, e mais tarde para o exercício das forças diferentes com que a natureza terá agraciado a cada um para o trabalho. Esta igualdade de ponto de partida, que a justiça reclama para todos, será impossível enquanto existir o direito de sucessão.
A justiça, assim como a dignidade humana, exige que cada um seja unicamente o filho de suas obras. Repelimos com indignação o dogma do pecado, da vergonha e da responsabilidade hereditárias. Pela mesma razão, devemos repudiar a hereditariedade fictícia da virtude, das honras e dos direitos, assim como a da fortuna. O herdeiro de uma fortuna qualquer não é mais o filho de suas obras e, em relação ao ponto de partida, é um privilegiado.
Abolição do direito de herança. Enquanto este direito existir, a diferença hereditária das classes, das posições, das fortunas, a desigualdade social e o privilégio subsistirão, senão de direito ao menos de fato, por uma lei inerente à sociedade que produz sempre a igualdade dos direitos: a desigualdade social se torna necessariamente desigualdade política. E, sem igualdade política, como já se afirmou, não há liberdade no sentido universal, humano, verdadeiramente democrático da palavra; a sociedade permanecerá sempre dividida em duas partes desiguais, das quais uma imensa, compreendendo toda a massa popular, será oprimida e explorada pela outra. Logo, o direito de sucessão é contrário ao triunfo da liberdade e, se a sociedade quer se tornar livre, deve aboli-lo.
Deve aboli-lo porque, repousando sobre uma ficção, este direito é contrário ao próprio princípio da liberdade. Todos os direitos individuais, políticos e sociais vinculam-se ao indivíduo real e vivo. Uma vez morto, não há mais nem vontade de um indivíduo que não mais existe e que, em nome da morte, oprime os vivos. Se o indivíduo morto insiste na execução de sua vontade, que venha executá-la ele próprio se puder, mas ele não tem o direito de exigir que a sociedade coloque sua força e seu direito a serviço de sua não-existência.
O objetivo legítimo e sério do direito de sucessão foi sempre assegurar às gerações futuras os meios de desenvolverem-se e de tornarem-se homens. Portanto, apenas o fundo de educação e de instrução pública terá o direito de herdar com obrigação de prover igualmente a manutenção, a educação e a instrução de todas as crianças, desde o nascimento até a maioridade e sua completa emancipação. Desta maneira, todos os pais ficarão igualmente tranqüilizados sobre a sorte de seus filhos, e, como a igualdade de todos é uma condição fundamental da moralidade de cada um, e todo privilégio é uma fonte de imoralidade, todos os pais cujo amor pelos filhos for razoável e aspirem não à vaidade mas à sua dignidade humana, mesmo que tivessem a oportunidade de deixar-lhes uma herança que os colocaria em uma posição privilegiada, prefeririam para eles o regime da mais completa igualdade.
A desigualdade resultante do direito de sucessão, uma vez abolida, permanecerá sempre, embora consideravelmente diminuída, principalmente a desigualdade resultante da diferença das capacidades, das forças e da energia produtiva dos indivíduos, diferença que, por sua vez, sem nunca desaparecer inteiramente, diminuirá sempre mais por influência de uma educação e de um sistema de organização social igualitário e que, aliás, uma vez abolido o direito de sucessão, jamais pesará sobre as gerações futuras.
Sendo o trabalho o único produtor de riqueza, cada um é sem dúvida livre, quer para morrer de fome, quer para ir viver em desertos ou em florestas entre animais selvagens, mas quem quiser viver em sociedade deve ganhar sua vida com seu próprio trabalho, sob pena de ser considerado um parasita, um explorador do bem, isto é, do trabalho de outrem, como um ladrão.
O trabalho é a base fundamental da dignidade e do direito humano. Pois é unicamente pelo trabalho livre e inteligente que o homem cria o mundo civilizado, tornando-se por sua vez criador e conquistando sua humanidade e seu direito sobre o mundo exterior e sobre sua própria animalidade. A desonra que no mundo antigo, assim como na sociedade feudal, prendeu-se à idéia do trabalho, e que permanece em grande parte ainda hoje, apesar de todas as frases que ouvimos repetir a toda hora sobre sua dignidade, este desprezo estúpido pelo trabalho tem duas fontes: a primeira é esta convicção tão característica dos antigos e que ainda hoje encontra partidários secretos: para conceder a uma determinada parte da sociedade os meios de humanizar-se pela ciência, pelas artes, pelo conhecimento e pelo exercício do direito, é preciso que uma outra parte, naturalmente mais numerosa, se dedique ao trabalho como escrava. Este princípio fundamental da civilização antiga foi a causa de sua ruína. A cidade corrompida e desorganizada pela ociosidade dos cidadãos, minada por outro lado pela ação imperceptível e lenta mas constante deste mundo deserdado dos escravos, moralizados apesar da escravidão e mantidos em sua força primitiva pela ação salutar do trabalho mesmo forçado, caiu sob os golpes dos povos bárbaros, aos quais, por nascimento, haviam pertencido em grande parte estes escravos.
O cristianismo, esta religião dos escravos, só destruiu mais tarde a antiga irregularidade para criar uma outra: o privilégio da graça e da eleição divinas baseado na desigualdade, produzida naturalmente pelo direito de conquista, separou novamente a sociedade humana em dois campos: a canalha e a nobreza, os servos e os senhores, atribuindo aos últimos a nobre profissão das armas e do governo, deixando aos servos apenas o trabalho, não apenas aviltado, mas maldito. A mesma causa produz necessariamente os mesmos efeitos; o mundo nobiliário, enervado e desmoralizado pelo privilégio da ociosidade, caiu em 1789 sob os golpes dos servos, trabalhadores revoltados, unidos e poderosos.
Foi, então, proclamada a liberdade do trabalho, sua reabilitação de direito. Mas somente de direito, pois de fato o trabalho permanece ainda desonrado, escravizado. A primeira fonte desta escravatura, principalmente a que consistia no dogma da desigualdade política dos homens, tendo sido suprimida pela grande Revolução, torna necessário atribuir o atual desprezo pelo trabalho à segunda, que é tão-somente a separação feita e que vigora ainda hoje, entre o trabalho intelectual e o trabalho manual e que, reproduzindo sob uma nova forma a antiga desigualdade, divide novamente o mundo social em dois campos: a minoria privilegiada, de ora em diante, não mais pela lei, mas pelo capital, e a maioria dos trabalhadores forçados, não mais pelo direito iníquo do privilégio legal, mas pela fome.
Efetivamente, hoje, a dignidade do trabalho é teoricamente reconhecida e a opinião pública admite que é vergonhoso viver sem trabalho. O trabalho humano, considerado na sua totalidade, divide-se em duas partes, umas das quais, intelectual e exclusivamente nobre, compreende as ciências, as artes, e, na indústria, a aplicação das ciências e das artes, a idéia, a concepção, a invenção, o cálculo, o governo e a direção geral ou subordinada das forças operárias; e a outra, apenas a execução manual reduzida a uma ação puramente mecânica, sem inteligência, sem idéia, por esta lei econômica e social da divisão do trabalho. Os privilegiados do capital, sem excetuar os menos autorizados na medida de suas capacidades individuais, apoderam-se da primeira e deixam a segunda ao povo. Daí resultam três grandes males: um para estes privilegiados do capital; outro para as massas populares; e o terceiro, procedente de um e de outro, para a produção das riquezas, para o bem-estar, para a justiça e para o desenvolvimento intelectual e moral de toda a sociedade.
O mal de que sofrem as classes privilegiadas é o seguinte: ficando com a melhor parte na repartição das funções sociais, desempenham um papel cada vez mais mesquinho, no mundo intelectual e moral. É perfeitamente verdadeiro que um certo grau de lazer é absolutamente necessário para o desenvolvimento do espírito, das ciências e das artes; mas deve ser um lazer conquistado, sucedendo às sadias fadigas de um trabalho diário, um lazer justo e cuja possibilidade, dependendo unicamente de maior ou de menor energia, de capacidade e de boa vontade no indivíduo, seria socialmente igual para todo mundo. Ao contrário, todo lazer privilegiado, longe de fortificar o espírito, o debilita, o desmoraliza e o mata. A história nos prova: com raras exceções, as classes privilegiadas pela fortuna e pela origem sempre foram as menos produtivas em relação ao espírito, e as maiores descobertas nas ciências, nas artes e na indústria foram feitas, na maior parte das vezes, por homens que, na sua juventude, foram forçados a ganhar a vida com o trabalho rude.
A natureza humana é feita de tal forma que a possibilidade do mal produz infalivelmente e sempre a realidade, dependendo a moralidade do indivíduo muito mais das condições de sua existência e do meio no qual vive do que da sua própria vontade. Sob esse aspecto, bem como sob todos os outros, a lei da solidariedade social é inexorável, de forma que para moralizar os indivíduos não é necessário cuidar de sua consciência tanto quanto da natureza da sua existência social; e não existe outro moralizador nem para a sociedade nem para o indivíduo do que a liberdade na mais perfeita igualdade. Tome o mais sincero democrata e coloque-o em um trono qualquer; se não descer logo, se tornará infalivelmente um canalha. Um homem nascido na aristocracia, se, por um feliz acaso, não desprezar e não detestar seu sangue, e se não tiver vergonha da aristocracia, será necessariamente um homem tão mau (sic) quanto fútil, saudoso do passado, inútil no presente e ardente adversário do futuro. Da mesma forma o burguês, filho querido do capital e do lazer privilegiado, transformará seu lazer em ociosidade, em corrupção, em desregramento, ou ainda se servirá dele como de uma arma terrível para submeter ainda mais as classes operárias e terminará por levantar contra ele uma revolução mais terrível do que a de 1793.
O mal de que sofre o povo é ainda mais fácil de determinar: ele trabalha para outrem, e seu trabalho, privado de liberdade, de lazer e de inteligência, e por isso mesmo aviltado, o degrada, o esmaga e o mata. É forçado a trabalhar para outrem porque nasceu na miséria e privado de instrução e de toda e qualquer educação racional, moralmente escravo; graças às influências religiosas, ele se vê jogado na vida desarmado, desacreditado, sem iniciativa e sem vontade própria. Forçado pela fome, desde a mais tenra infância, a ganhar sua triste vida, deve vender sua força física, seu trabalho, nas mais duras condições sem ter nem o pensamento, nem a faculdade material de exigir outras. Reduzido ao desespero pela miséria, algumas vezes se revolta, mas, faltando-lhe esta unidade e esta força dada pelo pensamento, mal conduzido, muitas vezes traído e vendido por seus chefes, e não sabendo quase nunca em quem lançar as culpas dos males que suporta, batendo às vezes injustamente, ele tem, ao menos até hoje, fracassado em suas revoltas e, fatigado por uma luta estéril, volta sempre à antiga escravidão.
Esta escravidão durará enquanto o capital, ficando fora da ação coletiva das forças operárias, explore o povo e enquanto a instituição que numa sociedade bem organizada deveria ser igualmente repartida entre todos, desenvolvendo apenas o interesse de uma classe privilegiada, atribua a esta última a parte espiritual do trabalho, deixando ao povo unicamente a brutal aplicação de suas forças físicas escravizadas e sempre condenadas a exercer idéias que não são as suas.
Por este injusto e funesto desvio, o trabalho do povo, tornando-se um trabalho puramente mecânico e semelhante ao de uma besta de carga, é desonrado, desprezado e, como conseqüência natural, deserdado de qualquer direito. Resulta para a sociedade, sob o aspecto político, intelectual e moral, um mal imenso. A minoria usufruindo do monopólio e da ciência, pelo próprio efeito desse privilégio, é ferida ao mesmo tempo em sua inteligência e na sua sensibilidade, até o ponto de tornar-se estúpida devido à instrução, pois nada é tão maléfico e estéril quanto a inteligência patenteada e privilegiada. Por outro lado, o povo, completamente destituído de ciência, esmagado pelo trabalho cotidiano mecânico, capaz antes de embrutecer do que desenvolver sua inteligência natural, privado da luz que poderia mostrar-lhe o caminho da libertação, debate-se inutilmente em seu cubículo, e, como ele tem sempre a seu favor a força dada pelo número, põe sempre em perigo a própria existência da sociedade.
É pois necessário que a iníqua divisão estabelecida entre o trabalho intelectual e o trabalho manual seja estabelecida de maneira diferente. A própria produção econômica da sociedade sofre consideravelmente; a inteligência separada da ação corporal debilita-se, seca e murcha, até que a força corporal da humanidade separada da inteligência embruteça e, neste estado de separação artificial, nenhuma produz a metade do que poderia, do que deverá produzir quando, reunidas em uma nova síntese social, formem apenas uma única ação produtiva. Quando o homem de ciência trabalhar e o trabalhador pensar, o trabalho inteligente e livre será considerado como o mais belo título de glória para a humanidade, como a base de sua dignidade, de seu direito, como a manifestação de seu poder humano na Terra; e a humanidade será constituída.
O trabalho inteligente e livre será necessariamente um trabalho associado. Cada um será livre de associar-se ou não pelo trabalho, mas não há dúvidas de que, com exceção dos trabalhos de imaginação e cuja natureza exige a concentração da inteligência individual em si mesma, em todos os empreendimentos industriais e mesmo científicos ou artísticos que, por sua natureza, admitem o trabalho associado, a associação será preferida por todo mundo, pela simples razão de que a associação multiplica de maneira maravilhosa as forças produtivas de cada um, e de que cada um, tornando-se membro e cooperador de uma associação produtiva, com muito menos tempo, esforço, ganhará muito mais.
Quando as associações produtivas e livres, deixando de ser escravas e tornando-se, por sua vez, as senhoras e as proprietárias do capital que lhe será necessário, contarem em seu meio, a título de membros cooperadores, ao lado das forças operárias emancipadas pela instrução geral, com todas as inteligências especiais necessárias para cada empreendimento; quando, combinando entre si, sempre livremente, de acordo com suas necessidades e com sua natureza, ultrapassando cedo ou tarde todas as fronteiras nacionais, formarem uma imensa federação econômica, com um parlamento esclarecido por dados tão amplos quanto precisos e detalhados de uma estatística mundial, como não pode existir ainda hoje, e que combinem a oferta e a procura para governar, determinar e repartir entre diferentes países a produção da indústria mundial, de modo que não haja mais, ou muito poucas, crises comerciais e industriais, estagnação forçada, desastres, sacrifícios nem capitais perdidos, então o trabalho humano, emancipação de cada um e de todos, regenerará o mundo.
A terra, com todas as suas riquezas naturais, é propriedade de todo mundo, mas será possuída apenas por aqueles que a cultivarem.
A mulher, diferente do homem, trabalhadora e livre como ele, é declarada sua igual em todos os direitos como em todas as funções e deveres políticos e sociais.
DA FAMÍLIA E DA ESCOLA
Abolição não da família natural, mas da família legal, fundada sobre o direito civil e sobre a propriedade. O casamento religioso e civil é substituído pelo casamento livre. Dois indivíduos maiores e se sexos diferentes têm o direito de unir-se e separar-se conforme sua vontade, seus interesses mútuos e as necessidades de seu coração, sem que a sociedade tenha o direito, seja de impedir sua união, seja de mantê-los juntos contra a vontade. O direito de sucessão estando abolido, a educação de todas as crianças estando assegurada pela sociedade, todas as razões que foram até hoje apontadas para a consagração política e civil do casamento desaparecem, e a união de dois sexos deve readquirir sua inteira liberdade que aqui, como em toda parte e sempre, é a condição sine qua non da moralidade sincera. No casamento livre o homem e a mulher devem igualmente gozar de uma liberdade absoluta. Nem a violência da paixão, nem os direitos livremente concedidos no passado poderão servir de desculpa para nenhum atentado de um contra a liberdade do outro, e semelhantes atentados serão considerados crimes.
Do momento em que uma mulher engravida até o momento em que dá à luz, ela tem o direito a uma subvenção por parte da sociedade, paga não à mãe, mas à criança. Toda mãe que quiser nutrir e educar seus filhos receberá igualmente da sociedade todas as despesas de manutenção e de seu trabalho gasto com as crianças.
Os pais terão o direito de manter junto a si as crianças e ocupar-se com sua educação, sob a tutela e o controle supremo da sociedade, que conservará sempre o direito e o dever de separar os filhos dos pais sempre que estes, seja pelo exemplo, pela mentalidade ou tratamento brutal e desumano, puderem desmoralizar ou até entravar o desenvolvimento de seus filhos.
As crianças não pertencem nem a seus pais nem à sociedade, pertencem a si próprias e à sua futura liberdade. Como crianças, até a idade de sua emancipação, são só potencialmente livres, devendo estar, portanto, sob o regime da autoridade. Os pais são seus tutores naturais, é verdade, mas o tutor legal e supremo é a sociedade, que tem o direito e o dever de ocupar-se delas, porque seu próprio futuro depende da direção intelectual e moral dada às crianças. A sociedade só pode dar liberdade aos maiores com a condição de supervisionarem a educação dos menores.
A escola deve substituir a Igreja com a imensa diferença de que esta, ministrando sua educação religiosa, não tem outra finalidade senão a de eternizar o regime da ingenuidade humana e da assim chamada autoridade divina, enquanto a educação e a instrução da escola, não possuindo, ao contrário, outra finalidade senão a emancipação real das crianças quando chegarem à maioridade, não será nada mais do que sua iniciação gradual e progressiva na liberdade, pelo triplo desenvolvimento de suas forças físicas, de seu espírito e de sua vontade. A razão, a verdade, a justiça, o respeito humano, a consciência da dignidade pessoal, solidária e inseparável da dignidade humana no outro, o amor da liberdade por si mesma e por todos os outros, o culto do trabalho como base e condição do direito, o desprezo pelo desatino, pela mentira, pela injustiça, pela covardia, pela escravidão e pela ociosidade, estas deverão ser as bases fundamentais da educação pública.
Ela deve, primeiramente, formar homens, depois operários especializados e cidadãos, e, à medida que avançar acompanhando a idade das crianças, a autoridade deverá naturalmente ceder lugar à liberdade, a fim de que os adolescentes, chegando à maioridade, estando emancipados, pela lei, possam esquecer como na infância foram governados e conduzidos por outros caminhos que não os da liberdade. O respeito humano, este gérmen da liberdade, deve estar presente mesmo nos atos mais severos e mais absolutos da autoridade. Toda educação moral está contida nesses princípios; inculquem este respeito nas crianças e vocês as terão tornado homens.
Uma vez concluída a instrução primária e secundária, as crianças, de acordo com suas capacidades e simpatias, aconselhadas, esclarecidas, mas não violentadas por seus superiores, escolherão uma escola superior ou especial qualquer. Ao mesmo tempo, cada um deverá aplicar-se ao estudo teórico e prático do ramo da indústria que mais lhe agradar e a importância que ganhar com seu trabalho durante o aprendizado lhe será dada quando for maior.
Atingida a maioridade, o adolescente será proclamado livre e senhor absoluto de seus atos. Em troca dos cuidados que a sociedade lhe prodigalizou durante a infância, ela exigirá dele três coisas: que permaneça livre, que viva de seu trabalho e que respeite a liberdade de seu semelhante. E como os vícios e os crimes de que sofre a sociedade atual são unicamente produto de uma má organização social, poderemos estar certos de que, com uma organização e uma educação da sociedade baseadas na razão, na justiça, na liberdade, no respeito humano e na mais completa igualdade, o bem se tornará a regra e o mal uma exceção doentia que diminuirá cada vez mais sob a influência todo-poderosa da opinião pública moralizada.
Os velhos, os inválidos, os doentes, cercados de cuidados, de respeito e gozando de todos os seus direitos, tanto públicos quanto sociais, serão tratados e mantidos com profusão à custa da sociedade.
POLÍTICA REVOLUCIONÁRIA
É nossa convicção fundamental que todas as liberdades nacionais, sendo solidárias, as revoluções particulares de todos os países também devem sê-lo, que daqui em diante na Europa, como em todo mundo civilizado, não haverá mais revoluções, apenas a revolução universal, assim como só há uma reação européia e mundial; que, portanto, todos os interesses particulares, todas as vaidades, pretensões, ciúmes e hostilidades nacionais se fundam hoje em um único interesse comum e universal da revolução, que garantirá a liberdade e a independência de cada nação pela solidariedade de todas; que a Santa Aliança da contra-revolução mundial e da conspiração dos reis, do clero, da nobreza e do feudalismo burguês, apoiados em enormes orçamentos, em exércitos permanentes, em uma formidável burocracia, armados de todos os terríveis meios que lhe dá a centralização moderna, como hábito e por assim dizer com a rotina da ação e o direito de conspirar e de fazer tudo em nome da lei são um fato imenso, ameaçando, esmagando e que, para combatê-lo, para opor-lhe um fato de igual potência, para vencê-lo e destruí-lo, é preciso nada menos que a aliança e a ação revolucionárias simultâneas de todos os povos do mundo civilizado.
Contra essa reação mundial, a revolução isolada de nenhum povo poderia ter sucesso. Ela seria uma loucura, logo, um erro e uma traição, um crime contra todas as outras nações. De hoje em diante, o levante de cada povo deve fazer-se não em sua própria intenção, mas na intenção de todo mundo. Mas, para que uma nação se subleve na intenção de, e em nome de todo mundo, é preciso que ela tenha o programa de todo mundo, suficientemente grande, profundo, verdadeiro, humano em suma, para abarcar os interesses de todo mundo e para eletrizar as paixões de todas as massas populares da Europa, sem diferença de nacionalidade. O programa só pode ser o da revolução democrática e social.
O objetivo da revolução democrática e social pode ser definido em duas palavras:
Politicamente: é a abolição do direito histórico, do direito de conquista e do direito diplomático. É a emancipação completa dos indivíduos e das associações do jugo da autoridade divina e humana; é a destruição absoluta de todas as uniões e aglomerações forçadas das comunas nas províncias, das províncias e dos países conquistados no Estado. Enfim, é a dissolução radical do Estado centralista, tutelar, autoritário, com todas as instituições militares, burocráticas, governamentais, administrativas, judiciárias e civis. É, em uma palavra, a liberdade desenvolvida a todo mundo, aos indivíduos, como a todas as entidades coletivas, associações, comunas, províncias, regiões e nações e a garantia mútua desta liberdade pela federação.
Socialmente: é a confirmação da igualdade política pela igualdade econômica. É, no começo da carreira de cada um, a igualdade de ponto de partida, igualdade não natural, mas social para cada um, isto é, igualdade de meios de manutenção, de educação, de instrução para cada criança, rapaz ou moça, até a época de sua maioridade.
Notas:
(1) Max Nettlau (1864-1944), nascido em Viena, de nacionalidade alemã, infatigável historiador e historiógrafo do anarquismo, autor prolixo erudito de numerosas obras e artigos e, principalmente, da monumental biografia de Bakunin. (Nota de Daniel Guérin.)
(2) A. Lehning e A. Romano, In: A Primeira Internacional (colóquio de 1964, C.N.R.S., 1868, p. 281, 335, 349). (Nota de Daniel Guérin.)
(3) H. E. Kaminski, A Vida de um Revolucionário, 1938, p. 213-4. (Nota de Daniel Guérin.)
(4) Max Nettlau, copiando à mão este texto no seu Bakunin, autografado, achou que deveria acompanhar as palavras chefs e gouvernement de um (sic). (Nota de Daniel Guérin.)
(5) Os títulos são nossos. (Nota de Daniel Guérin.)
(6) Ilegível no manuscrito de Nettlau. (Nota de Daniel Guérin.)
(7) Bakunin escrevera: "O ilustre estatístico francês Cretelet". Efetivamente trata-se do belga A. Quetelet (1798-1834), estatístico e sociólogo. (Nota de Daniel Guérin.)
(8) Aqui, no manuscrito de Nettlau, várias palavras ilegíveis. (Nota de Daniel Guérin.)
(9) Sobre o manuscrito de Nettlau, "de" em lugar de "a". (Nota de Daniel Guérin.)
Fonte: http://www.pfilosofia.xpg.com.br/ . Bakunin, Michael Alexandrovich. Textos Anarquistas (Col. L&PM Pocket); seleção e notas de Daniel Guérin; tradução de Zilá Bernd. Porto Alegre: L&PM, 1999. 196p.
(1) Max Nettlau (1864-1944), nascido em Viena, de nacionalidade alemã, infatigável historiador e historiógrafo do anarquismo, autor prolixo erudito de numerosas obras e artigos e, principalmente, da monumental biografia de Bakunin. (Nota de Daniel Guérin.)
(2) A. Lehning e A. Romano, In: A Primeira Internacional (colóquio de 1964, C.N.R.S., 1868, p. 281, 335, 349). (Nota de Daniel Guérin.)
(3) H. E. Kaminski, A Vida de um Revolucionário, 1938, p. 213-4. (Nota de Daniel Guérin.)
(4) Max Nettlau, copiando à mão este texto no seu Bakunin, autografado, achou que deveria acompanhar as palavras chefs e gouvernement de um (sic). (Nota de Daniel Guérin.)
(5) Os títulos são nossos. (Nota de Daniel Guérin.)
(6) Ilegível no manuscrito de Nettlau. (Nota de Daniel Guérin.)
(7) Bakunin escrevera: "O ilustre estatístico francês Cretelet". Efetivamente trata-se do belga A. Quetelet (1798-1834), estatístico e sociólogo. (Nota de Daniel Guérin.)
(8) Aqui, no manuscrito de Nettlau, várias palavras ilegíveis. (Nota de Daniel Guérin.)
(9) Sobre o manuscrito de Nettlau, "de" em lugar de "a". (Nota de Daniel Guérin.)
Fonte: http://www.pfilosofia.xpg.com.br/ . Bakunin, Michael Alexandrovich. Textos Anarquistas (Col. L&PM Pocket); seleção e notas de Daniel Guérin; tradução de Zilá Bernd. Porto Alegre: L&PM, 1999. 196p.
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