Nota
O presente texto realiza uma primeira aproximação do conceito de campesinato no pensamento de Bakunin, situando-o historicamente no debate com o populismo russo do século XIX, reconhecendo seu lugar na trajetória das discussões sobre o campesinato no pensamento socialista e na sociologia.
O texto é uma parte do capítulo dois do livro Sobre a evolução do conceito de campesinato, de Gúzmán e Molina, sobre as concepções teóricas acerca do campesinato. O livro foi escrito originalmente em espanhol e sua tradução literal para o português foi empregada para uso interno da Via Campesina do Brasil. Posteriormente foi lançado em forma de brochura pela editora Expressão Popular.
Para a discussão acerca do conceito de campesinato em Bakunin, os autores se basearam na seguinte referência
Bakunin, M., (1961-1981). Oeuvres Complètes de Bakounine publiées pour L’internationaal Instituut voor Sociale Geschiedemis Amsterdam par Arthur Lehning. Paris: Editions Champ Libre. Tomos I-VII. Outra referência usada pelos autores, indicada nas passagens abaixo, é a clássica obra sobre o populismo russo de Franco Venturi,
El Populismo Ruso. Madrid: Revista de Occidente, 1975. Dos tomos. A edição inglesa de 1963 pode ser conferida
aqui.
Nos trechos abaixo, identificamos algumas passagens de Estatismo e anarquia, publicado originalmente em russo com o título Gosudarstvennoy' i anarkia, em 1873. Existe uma edição em portugês, BAKUNIN, Mikhail. Estatismo e Anarquia. Tradução Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Nu-Sol; Imaginário, 2003. 272 p.
O título desta postagem foi criado pelos editores do Arquivo como simples recurso pedagógico, não constando no livro.
Os editores,
Brasil, novembro de 2012.
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GUZMÁN, Eduardo Sevilla; MOLINA, Manuel González de. Sobre a evolução do conceito de campesinato. Tradução literal [de] Ênio Guterres e Horacio Martins de Carvalho. 3. ed.. São Paulo: Expressão Popular, 2005. 96 p.
Capítulo 2. O campesinato na antiga tradição dos estudos camponeses. [p. 28-31.]
Na obra de Bakunin subsiste uma teoria do campesinato como agente revolucionário, segundo a qual, na Rússia da segunda metade do oitocentos, existiam as condições objetivas precisas para o desencadeamento de uma revolução social. Bakunin identificava estas condições com a situação das massas populares camponesas russas definida pela conjunção da extrema miséria com uma servidão feudal que era modelo em seu gênero, à que adicionava uma consciência histórica de emancipação social. No exame da consciência histórica do povo russo, Bakunin distinguiu elementos positivos e negativos (Bakunin, 1976, VI: pp. 367-369). Entre os positivos incluía: a) a convicção fortemente arraigada de que a terra pertencia integralmente ao povo; b) a posse da terra era um direito que não correspondia ao indivíduo senão à comunidade rural (ao mir), que se encarregava de reparti-la entre seus membros por prazos temporários definidos; c) a autonomia política quase absoluta, bem como a capacidade administrativa e gerencial do mir, que provocava a hostilidade manifesta daquele em relação ao Estado. A consciência histórica do povo russo se encontrava, no entanto, obscurecida por outros três traços que, desnaturalizando-a em parte, atrasavam a emancipação do povo russo: 1) o patriarcalismo; 2) a absorção do indivíduo pelo mir; 3) a confiança no tzar.