18 de out. de 2010

Carta a Mathilde Reichel (janeiro, 1850)



CARTA A MATHILDE REICHEL*
Mikhail Bakunin

No que concerne à minha vida aqui, posso descrevê-la muito simplesmente e em poucas palavras. Tenho um quarto muito limpo, quente e confortável, muita luz e pela janela eu vejo um pedaço de céu. Eu me levanto às sete horas da manhã e tomo café; em seguida sento-me à minha mesa e exercito a matemática até o meio-dia. Ao meio-dia trazem-me o almoço. Após o almoço, jogo-me sobre o leito e leio Shakespeare um passeio; então, colocam em mim uma corrente, provavelmente a fim de que eu não fuja, o que seria impossível mesmo sem isso, pois eu passeio entre duas baionetas, e uma fuga da fortaleza de Königstein me parece impossível.


Talvez isto seja também um tipo de símbolo, para me fazer recordar, em minha solidão, os elos indivisíveis que unem cada indivíduo à humanidade inteira. De qualquer forma, enfeitado com esse artigo de luxo, caminho um pouco e admiro de longe as belezas da Suíça saxã. Meia-hora depois eu retorno, retiro meu enfeite e estudo inglês até as seis horas da tarde. As seis horas, bebo chá e retomo a matemática até as nove e meia. Ainda que eu não tenha relógio, estou bem informado quanto a hora, pois um sino da torre a indica a cada quarto de hora e, às nove e meia, ressoa um clarim melancólico, cujo canto, semelhante à lamúria gemente de um amante infeliz, é um sinal de que é preciso apagar a luz e deitar. Eu não consigo, naturalmente, dormir logo em seguida e permaneço acordado habitualmente até meia-noite. Utilizo esse tempo a pensar em todos os tipos de coisas e particularmente em algumas pessoas amadas, cuja amizade me é tão cara. Os pensamentos são livres de qualquer fronteira, eles não são limitados por nenhuma muralha de fortaleza e assim vagam meus pensamentos em torno do mundo inteiro, até que eu consiga dormir. Todo dia se repete a mesma história. Como você vê, cara amiga, minha situação não é tão má, não me falta nada aqui, a não ser duas pequenas coisas que por si só são todo o valor da vida. Minha vida interior é agora um livro lacrado por sete selos; não posso e não quero falar dela. Como eu disse, estou calmo, completamente calmo, e pronto a qualquer eventualidade. Ainda não sei o que farão comigo; em breve, espero passar pelo primeiro julgamento. Estou pronto tanto para entrar de novo na vida quanto para deixá-la. Agora eu estou em ponto nulo, quer dizer, eu sou um ser unicamente pensante, ou seja, não vivente; pois entre pensar e ser, como a Alemanha aprendeu a sê-lo ultimamente, há, todavia, um imenso abismo.

*Kõnigstein. 16 de janeiro de 1850. Le Réveil, Genève, 3 de julho de 1926.

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